São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2010

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JOSÉ GERALDO COUTO

Elogio da loucura


Os operários que fundaram o Corinthians há um século foram o primeiro "bando de loucos"


DIZ O TANGO que "é um sopro a vida, vinte anos não é nada". Mas cem anos já é alguma coisa. Quarta-feira vai fazer um século que um grupo de operários fundou no Bom Retiro um clube popular de um esporte que até então era de elite, o futebol.
Foi o primeiro bando de loucos de uma história repleta de paroxismos. O Corinthians surgia já como uma anomalia, uma impossibilidade, uma perturbação para a liga grã-fina que regia o esporte.
Nascia sob o signo do excesso, da inconveniência, do "fora do lugar". Era o peão de obra invadindo a sala de banquetes, o farofeiro ocupando a praia particular. Nos cem anos seguintes, sucessivas gerações renovaram com gestos, palavras e obras essa paixão um tanto insana, essa vontade de ir além dos limites impostos pelas convenções esportivas, pelas regras sociais, pelas leis do bom gosto. Abusado, explosivo, o Corinthians transborda, como as lavas de um vulcão.
O alvinegro ou é amado ou odiado. Não há meio- -termo. O distintivo do Corinthians, por si só, provoca reações fortes, para o bem ou para o mal. Ninguém fica indiferente a ele.
Não foi à toa que, na época da luta contra a ditadura, muitos combatentes da liberdade, de dom Paulo Evaristo Arns a Osmar Santos, passando pelo craque Sócrates, viram no Corinthians uma força de transformação social, pela identificação do clube com o povo mais sofrido e por seu impulso de mudança.
Talvez porque a história desse povo seja um acúmulo de sacrifícios raramente recompensados. Na trajetória do Corinthians, mais do que as numerosas glórias, o que se mitifica são sobretudo os martírios, as demonstrações de entrega incondicional. Os 22 anos sem títulos, por exemplo, só fizeram aumentar a legião corintiana e revigorar o seu amor.
Mais do que os feitos dentro de campo, são as ações da Fiel que ficam gravadas. Quando se fala da semifinal do Brasileiro de 1976, importa menos o resultado a vitória nos pênaltis sobre o Fluminense do que a assombrosa "invasão corintiana", o deslocamento de 70 mil alvinegros que ocuparam o Maracanã como um exército invasor.
Ser corintiano é não se acomodar a uma vida confortável de vitórias. O sofrimento faz parte da sua constituição. Como nenhum outro torcedor, o corintiano, mesmo que não saiba ou admita, valoriza a derrota incomparável, o "gosto humilde da tristeza" de que falava Bandeira, o "hábito de sofrer" que tanto divertia Drummond.
Bando de loucos, enfim.

jgcouto@uol.com.br


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