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"Sou única, e isso incomoda"
Suspensa por doping, Rebeca Gusmão diz que suas colegas se preocupam demais com a vaidade
Atleta ressalta seu físico, diz que pretende voltar mais forte, mas também cogita a hipótese de ser banida do esporte: "A vida continua"
Lula Marques/Folha Imagem
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Rebeca Gusmão, para quem as brasileiras precisam se preocupar menos com a aparência |
ADALBERTO LEISTER FILHO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Sem falar com a imprensa
nas últimas duas semanas,
quando, entre outras coisas, virou caso de polícia, Rebeca
Gusmão, 23, resolveu contra-atacar. A nadadora, apelidada
de Gigante por sua musculatura avantajada, disse que abriu
mão da vaidade para ter ganhos
de performance nas provas.
Produzida, com maquiagem,
boina, colete preto e brincos
enormes, Rebeca falou à Folha
sobre sua situação -defende-se de três acusações de doping- e rebateu as críticas veladas que recebe até de colegas.
A nadadora será julgada em
dezembro por exame feito no
ano passado. Outro teste, realizado em julho, detectou alto índice de testosterona. E análise
de laboratório constatou que
outras duas amostras de sua
urina, colhidas durante o período do Pan, possuem dois
DNAs, o que pode configurar
fraude e pena por doping.
Se condenada, perderá os
dois ouros obtidos no Rio, os
únicos de uma mulher na natação brasileira até hoje.
FOLHA - Você tem recebido apoio
de outras atletas?
REBECA GUSMÃO - Nunca tive
muitas amigas na natação.
Sempre tive colegas. Claro que
tenho consideração por muita
gente. As amigas continuam
apoiando. A Mariana Brochado
passou um final de semana aqui
comigo. A Fabíola Molina mandou e-mail. A Naiara [Ribeiro]
ligou. Também recebi telefonema da Shelda [vôlei de praia].
FOLHA - Mas houve atletas que a
criticaram?
REBECA - Só pelas costas. Ninguém fala na cara.
FOLHA - As nadadoras, mesmo que
de maneira velada, falam muito da
transformação de seu corpo...
REBECA - É fácil pegar a foto de
uma menina e comparar com
uma mulher. Mas por que não
pegam foto das americanas e
australianas e comparam? Porque eu sou a única no Brasil assim. E isso incomoda muita
gente. Se você não é igual, vai
incomodar. Sei que incomodo
mesmo. Mas fui a primeira mulher da natação do Brasil a ganhar o ouro no Pan. As pessoas
sempre falaram mesmo, fofocaram. Não tem, o que fazer.
Quem está mais preocupado
com a vida alheia do que em
treinar precisa dar desculpas
para justificar o fracasso.
FOLHA - Mas por que só você sofreu essa transformação no Brasil?
As outras não treinam?
REBECA - Não é que não treinem. Mas acho que as brasileiras precisam se preocupar menos com aparência e mais com
performance. Técnicos estrangeiros me dizem: "Acho legal
ver em seus olhos que você tem
o sonho olímpico". Meu sonho é
ir à Olimpíada, brigar com o
pessoal lá de fora, que também
é grande, e ganhar medalha.
FOLHA - Suas colegas, por outro lado, não fazem frente às estrangeiras
nas provas de revezamento?
REBECA - Escuto de dirigentes:
"Vamos botar você para abrir
porque é a única que pode enfrentar essa cavalada". Nessa
hora eu existo, sou a Rebeca.
FOLHA - E fora da piscina?
REBECA - Quando chega aqui é
estranho. Há até certo preconceito dos homens brasileiros
em relação a essas coisas. Gosto
de ser assim. Ninguém paga minhas contas, não devo nada a
ninguém. Quem quiser apoiar
que apóie. Se voltar a competir,
quero voltar até mais forte.
FOLHA - Além da musculação, a alimentação te ajudou a crescer?
REBECA - Sim. Faço 12 refeições
por dia. Não tenho frescura. Se
tiver que comer, como. Não tenho medo de engordar. Quem
quiser ser alguma coisa tem
que fazer tudo. Estou disposta a
treinar mais, acordar mais cedo, ganhar peso. Há atletas
preocupadas só em ir à Olimpíada, competir e ganhar dinheiro. Acho que você tem que
investir o dinheiro em coisas
úteis: ir a provas, comprar acessórios, ter uma equipe excelente com você. E não ficar preocupado com outras coisas. Todo
dinheiro que ganhei com a natação investi em mim.
FOLHA - E após o doping? Houve
saída de patrocinadores?
REBECA - Perdi alguns. Mas há
outros que estão comigo. Isso é
bom. Porque a defesa tem um
gasto. Graças a Deus, meu clube
[São Caetano], a UniCEUB
[Centro Universitário de Brasília] e a CBTI [empresa de computação] estão dando força.
Nunca dei muita atenção aos
que me abandonaram.
FOLHA - Teme perdê-los, em caso
de condenação?
REBECA - Depois que o atleta é
suspenso, o patrocinador toma
a atitude que achar necessária.
Tudo bem. Mas enquanto há
esse processo, você tem gastos.
Ainda pago despesas de hospedagem que tive neste ano.
FOLHA - Algumas pessoas relacionaram a saída da Renata Castro da
Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos com seu caso de doping. O que acha disso?
REBECA - A saída da Renata da
direção do antidoping da CBDA
me assustou. Respeito a atitude
dela. Não tinha nada a ver comigo. É uma pessoa que sempre foi muito profissional. De
março de 2006 a setembro deste ano passei por 22 controles.
Nem sempre com ela.
FOLHA - Foi ela que obteve isenção
de uso terapêutico para tratamento
de sua asma?
REBECA - Tenho autorização
para salbutamol e corticóide.
Tenho asma desde criança. Fiz
exames que comprovam isso.
Minha médica mandou os resultados para a Renata, que encaminhou à Fina [federação de
natação], que autorizou.
FOLHA - Você acredita que possa
competir na Olimpíada de Pequim?
REBECA - Estou resolvendo
uma coisa de cada vez. Agora é a
contraprova [dia 3 de dezembro, em Montréal]. A próxima é
o julgamento [pela Corte de Arbitragem do Esporte] e depois a
gente não sabe. Pequim está de
lado, por enquanto. Não é minha prioridade. Não sei se tenho expectativa. Quando você
passa por um momento desses,
é complicado. Sempre tive que
provar que era boa na natação,
que posso ser a esperança deste
país. Não sei se tenho expectativa de ir a Pequim.
FOLHA - O primeiro passo será a
análise da amostra B. Sua defesa irá
questionar o laboratório, que teria
errado no exame de 2006?
REBECA - Isso é uma coisa que
minha defesa está montando.
Vamos questionar. Se você
compra o produto de uma empresa e contesta a qualidade
desse produto, a pessoa não vai
voltar a comprar lá.
FOLHA - Com tantas acusações de
doping, você teme ser banida?
REBECA - Já pensei. Já até amadureci a idéia. Mas sou uma
pessoa que sempre pensa positivo. Claro que, se isso acontecer, tenho outras coisas para fazer. Quero terminar os estudos
[de educação física]. E a vida
continua. A vida de atleta não é
para sempre. Uma hora a gente
pára mesmo. Claro que parar
dessa forma é a pior.
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