São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2010

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Enganche

Na Argentina, Conca nunca fez sucesso porque, em seu país, atletas que atuam em sua posição são cobrados para se tornarem craques como Maradona ou Messi

JUAN PABLO VARSKY
COLUNISTA DA FOLHA

Em 1998, Darío Conca não era um craque, mas só uma promessa. Tinha estreado precocemente no Tigre, um time que jogava na terceira divisão do futebol argentino.
Tinha 15 anos. Magrinho e mirrado, sua frágil presença contrastava com os ásperos zagueiros do acesso, que não tinham nenhum cuidado na hora de lhe dar pontapés.
Se sua aparência poderia gerar certa suspeita de jogador "mole e leviano", havia uma certeza vinculada a seu caráter: não é qualquer um que se anima a competir tão jovem e tão magro contra verdadeiros mastodontes.
Ali mostrava seu caráter, sua rebeldia contra as adversidades. Em 1998, depois daqueles duelos pelo Tigre, foi comprado pelas divisões de base do River Plate.
Naqueles anos, o time do River era o mais prestigioso e produtivo do futebol argentino. Pablo Aimar e Javier Saviola já eram titulares, e Andrés D'Alessandro galgava um lugar com notáveis atuações nas divisões de base.
Canhoto, talentoso e com visão de jogo, Conca preenchia o formulário ideal para ser um dos "milionários". Estava terminando a década de maior sucesso do River Plate, que havia conquistado oito títulos nacionais e a Taça Libertadores de 1996.
Além das promessas, atletas nascidos e formados no time, como Ortega e Gallardo, destacavam-se na posição que chamamos "enganche".
O "enganche" é o meio- -campista que joga atrás dos atacantes, o encarregado do último passe, o que dita o ritmo de sua equipe. O que decide quando acelerar e quando fazer uma pausa. O que joga com a velocidade mental, pensa no ritmo do jogo.
No futebol juvenil do River, Conca tinha exemplos e referências para moldar seu futebol. Mas a abundância de craques explica também por que o clube não pôde e não soube aproveitá-lo.
Há um contraste em sua carreira, uma espécie de descontinuidade. Após aquela prematura estreia no Tigre, com 15 anos, Conca teve de esperar cinco anos para sua estreia no River, que aconteceu em um mau momento.
Estamos em 2003, ano em que o Boca Juniors ganhou a tríplice coroa: Apertura, Libertadores (contra o Santos) e Mundial (diante do Milan).
Na Argentina, a polarização define estados de ânimo: o que é alegria para um time automaticamente significa desgraça para o outro.
Depois da volta olímpica do Boca no Morumbi, o River começou a comprar compulsivamente. Havia vendido D'Alessandro para o Wolfsburg. Mas não confiou no canhoto que tinha no elenco, ideal para substituir Andrés. Preferiu repatriar Marcelo Gallardo e trazer Daniel Montenegro, dois enganches.
Não havia espaço para Conca. O técnico chileno Manuel Pellegrini o mandou a campo numa escalação reserva contra o Chacarita. O River tinha acabado de perder feio o clássico contra o Boca e apostava tudo na Sul- -Americana. Colocou garotos para atuar nos últimos jogos do campeonato local.
Nesse contexto, Conca estreou. Era muito difícil, nestas condições, mostrar seu talento. Um garoto precisa de paciência e confiança. E, naquele River, exigiam-se resultados imediatos contra um Boca campeão de tudo.
Em 2004, Leonardo Astrada assumiu o time e também não lhe deu bola. Darío Conca se deu conta, então, de que tinha que mudar de ares.
Encontrou um espaço na Universidad Católica-CHI. Chegou em julho de 2004 e se sagrou campeão do Clausura de 2005. Conduziu o time à semifinal da Sul-Americana.
Dois excelentes anos no Chile lhe renderam uma segunda oportunidade na Argentina. Outra vez com Astrada como treinador, mas no Rosário Central.
Não deu certo. No meu país, o enganche está sob suspeita. Ninguém perdoa um jogo ruim. É exigido, todos os dias, que seja um Maradona ou um Messi.
É a primeira peça sacrificada. Quando um técnico deseja o tão desejado equilíbrio, substitui o meio-campista criativo ou o tira de sua posição, descaracterizando-o.
Além de sua própria responsabilidade por não triunfar na Argentina, Conca é um incompreendido do nosso futebol. Suas virtudes, como as de Riquelme ou D'Alessandro, foram mais valorizadas em um país que reconhece o virtuoso como capaz de fazer algo diferente, especial.
Todos podem correr e marcar. Mas muito poucos podem dar uma assistência, concluir um contra-ataque e fazer seus colegas jogarem.
Desde 2007, primeiro no Vasco e agora no Fluminense, Conca conquistou o Brasil (e o Rio em particular) com seu jogo simples e belo. Teve o cenário favorável que qualquer jogador precisa para mostrar sua melhor versão.
Em 2010, Mano Menezes e Sergio Batista o observam com atenção. Ele venceu a adversidade, os preconceitos, seu destino de passar inadvertido. A coragem mostra que, aos 15 anos, forjou sua personalidade. Aos 27, Conca pode ser campeão. Mas, com ou sem título, já pode ser chamado de craque.


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