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Marmelada
Comportamento ambíguo em relação a arranjos é fruto de ética frágil e falta de cultura esportiva no Brasil, segundo especialistas
CAROLINA ARAÚJO
DE SÃO PAULO
Deixar o companheiro de
equipe ultrapassar em uma
corrida na F-1 não pode. Torcer para o próprio time de futebol perder e atrapalhar um
rival na luta pelo título pode.
E, às vezes, tudo depende
do regulamento da disputa.
O comportamento ambíguo dos torcedores brasileiros em relação a arranjos no
esporte voltou a ter destaque
no domingo passado, quando a torcida são-paulina levou faixas com a palavra
"Entrega" para Barueri, onde
o time recebeu o Fluminense.
Como um triunfo da equipe carioca prejudicaria o Corinthians, rival são-paulino e
ainda com chances de título,
parte da torcida da equipe do
Morumbi comemorou os gols
do rival, que venceu por 4 a 1.
Hoje, o Fluminense deve
ter novamente parte da torcida adversária a seu favor. Enfrentará o Palmeiras, outro
arquirrival corintiano que
já não tem pretensões no Nacional. A equipe alviverde
deve atuar com reservas, e
um dirigente do clube já afirmou que "eventualmente
pode ser o jogo do título".
Para especialistas, o comportamento da torcida mostra que o conceito de ética é
frágil entre os brasileiros.
"No Brasil, confunde-se
ética com vantagem. A pessoa torce para o que acha
mais vantajoso para ela", declarou Renato Janine Ribeiro,
professor titular de ética e
filosofia política da USP.
Outros casos polêmicos
neste ano receberam julgamentos distintos da torcida.
Felipe Massa e a Ferrari foram criticados quando o brasileiro acatou ordens de sua
equipe e deixou Fernando
Alonso ultrapassá-lo no GP
da Alemanha, em julho.
"Muitos condenaram o Felipe Massa. Mas, se fosse o
Alonso que tivesse deixado o
brasileiro passar, será que isso incomodaria alguém?",
questiona Katia Rubio, professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP.
"O torcedor apoia a marmelada que favorece o seu
próprio interesse. Quando o
resultado lhe convém, ele endossa, mesmo que seja uma
atitude considerada imoral.
O que está em jogo é a paixão", declarou Rubio.
A ambiguidade também
marcou a atitude da seleção
masculina de vôlei, que, no
Mundial da Itália, jogou com
reservas contra a Bulgária,
perdeu e evitou uma trajetória mais difícil até a final.
Enquanto para alguns o time fez parte de uma marmelada, para outros, Bernardinho e os atletas tiveram uma
atitude racional, uma vez
que o regulamento do campeonato prejudicava as seleções de melhor campanha.
"Se o Brasil ganhasse [da
Bulgária], mas não chegasse
à final, poderia dar a ideia de
ser um time ingênuo, bobo",
disse o psicanalista Abrão
Slavutzky. "Por isso, muitos
apoiaram aquela derrota."
Para Katia Rubio, as marmeladas no esporte por vezes
são aceitas, e até desejadas,
porque o Brasil não ostenta
uma cultura esportiva sólida.
"Muitas vezes, as crianças aprendem, desde pequenas,
a vaiar, a levar vantagem sobre o rival. Não existe um trabalho pedagógico com os torcedores", afirmou Rubio.
Segundo ela, o fato de o
Brasil sediar a Copa-2014 e a
Olimpíada-2016 deveria alavancar esse processo. "É preciso ensinar a população a
torcer, educar para o esporte.
Mas isso é pouco difundido."
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