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FUTEBOL
O espelho redondo
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
O luar e a suave luz da sala
fundiam-se misteriosamente. Quatro ou cinco homens debatiam questões físicas e metafísicas. E digo quatro ou cinco porque eram quatro os que falavam,
mas havia um quinto personagem, que permanecia calado. Ele
tinha a mesma idade dos companheiros, por volta dos 50 anos.
A conversa foi pulando de assunto em assunto e acabou por
pousar na "natureza da alma".
Então, para surpresa de todos, o
calado disse:
- Meus amigos, digo-lhes que
não há uma só alma, mas duas:
uma interior e outra exterior. A
primeira é a que todos conhecemos das aulas de catecismo. Já a
segunda pode ser qualquer coisa:
um emprego, um vestido, uma casa, uma mulher, os aplausos, ou
mesmo uma conta no banco. Estas duas almas completam o homem. Quem perde uma das metades perde metade da existência.
- Então finalmente você nos
deu uma opinião?
- Não lhes dei uma opinião,
mas posso dar-lhes um fato.
Pigarreou e continuou:
- Tinha eu 25 anos, era ainda
jogador e acabava de ser convocado para a seleção brasileira. Foi
minha primeira e última convocação. Nem mesmo fiquei no banco de reservas. Mas, como recordação e consolo, fiquei com o uniforme da equipe. Então, uma de
minhas tias, Dona Carolina, que
morava sozinha num sítio no interior, desejou ver-me e pediu que
eu levasse minha farda da seleção. Aproveitei minhas férias e
fui. Ela, apenas me viu, disse que
não me soltava antes de uma semana. Abraçava-me todo o tempo e só me chamava de seu campeão. Chegou ao ponto de colocar
em meu quarto o espelho da sala.
- Espelho grande?
- Grande e redondo. A única
peça decente da casa. E dizia que
um craque como eu merecia muito mais. O certo é que todas essas
atenções fizeram em mim uma
transformação: o campeão eliminou o homem. Aconteceu que minha alma exterior passou a ser a
cortesia e os rapapés da casa. Logo eu era outro, totalmente outro.
Era exclusivamente o campeão.
- Ainda não entendo bem, disse um dos ouvintes.
- Já vai entender. É só parar de
me interromper.
Todos fizeram silêncio, e ele
prosseguiu:
- Um dia, tia Carolina recebeu
uma notícia grave: um parente
doente. Adeus, sobrinho! Adeus,
campeão! Partiu o mais rápido
que pôde e pediu-me que tomasse
conta do lugar. Que solidão...
Nunca os dias foram mais compridos. Convém dizer-lhes que,
desde que ficara só, não olhei
uma vez para o espelho. Somente
ao fim de alguns dias deu-me na
veneta fazê-lo. Olhei e recuei. O
vidro não me estampou a figura
nítida e inteira, mas vaga, sombra de sombra. Tive medo. Vou-me embora, disse comigo. Mas,
subitamente, lembrei-me de pôr o
uniforme da seleção. Foi o que fiz.
Então levantei os olhos, e o espelho dessa vez reproduziu a figura
integral; era eu mesmo, o jogador
de futebol, que achava, enfim, a
alma exterior. Olhava para o espelho, ia de um lado para outro,
recuava, gesticulava, sorria, e o
vidro exprimia tudo. Daí em
diante, fui outro. Cada dia, a
uma certa hora, vestia-me com as
chuteiras, a camisa amarela e o
calção azul. Sentava-me diante
do espelho e, no fim de duas ou
três horas, despia-me outra vez. E
assim passei seis dias de solidão
sem os sentir.
Quando todos voltaram a si, o
narrador tinha descido a escada.
Faltas
Marcus Aurelius Pimenta
manda uma seleção boa em
cobrança de falta: Rogério;
Arce, Anderson Lima, Andrei e Elivélton; Marcos Assunção, Ramon, Alex e Petkovic; Marcelinho e Evair.
Seises
Fernando Nunes manda uma
seleção com laterais-esquerdos. O goleiro seria Ronaldo
Luís (que tantas vezes salvou
o São Paulo debaixo das traves); a defesa teria Mazinho
(destaque como lateral-direito), Maldini (que se tornou
um brilhante zagueiro), Roger e Elivélton; no meio, atuariam André Luiz, Zé Roberto,
Felipe e Júnior (ex-Palmeiras); no ataque: Leonardo e
Serginho (o primeiro jogou e
o segundo joga no Milan).
Espelho
O texto de hoje foi uma relação intertextual (vulgo plágio) do conto "O espelho", de
Machado de Assis.
E-mail: torero@uol.com.br
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