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MOTOR
Tudo tem preço
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE
Na última coluna do ano, a
falta de assunto impõe uma
análise retrospectiva. E, se olhar
para trás normalmente é procurar registros dos fatos marcantes,
a temporada deste ano, vista assim concluída, proporciona algo
mais, quase uma regra: domínios.
A começar pelo mais evidente, o
reinado Schumacher-Ferrari na
F-1. Mas teve muito mais. No
Mundial de Rali, pouco divulgado por aqui, o pódio não era vermelho, mas prateado, cor dos 206
da Peugeot, que fizeram o campeão e mais um verdadeiro naco
das primeiras colocações.
Em Le Mans, a Audi, mais uma
vez, destruiu qualquer chance de
disputa com as outras fábricas. E
a grande notícia, na verdade, foi
a empresa anunciar que essa fora
a edição derradeira de sua curta,
mas absolutamente vitoriosa,
carreira na mais famosa corrida
de longa duração do mundo.
Na MotoGP, o jovem Valentino
Rossi e sua Honda de quatro tempos igualmente arrebentaram a
concorrência na temporada em
que a categoria sofreu uma revolução nas regras -em busca, ironicamente, de maior equilíbrio.
E, na Indy, após um semestre de
defecções e falta de dinheiro, o piloto mais regular, Cristiano da
Matta, no time mais organizado,
a Newman-Haas, também quase
ignorou o resto do grid para ganhar o título por antecipação.
O contraponto no automobilismo de ponta foi a IRL, que viveu
uma temporada atípica graças a
uma inédita injeção de recursos.
Fábricas, times e pilotos vindos da
Indy acabaram com o forçado sotaque caipira da liga de Tony
George -e, mesmo assim, foi necessário um acidente para parar
Gil de Ferran e a Penske.
Ou seja, a temporada deste ano
não foi apenas um passeio ferrarista. Foi um passeio de grandes
marcas, ou mais precisamente, de
grandes investidores, que jogaram para ganhar, apenas para
ganhar. Todo mundo faz isso?
Sim, mas desta vez foi diferente.
Deixando de lado o caso particular do automobilismo norte-americano -único lugar do
mundo onde as fábricas são meras fornecedoras de peças-, o esporte a motor parece ter atingido
um ponto temerário: já é possível
estabelecer o custo da vitória, do
campeonato, do sucesso.
Quem conhece um pouco de esporte sabe que isso, até outro dia,
não passava de utopia. Estabelecer um padrão de qualidade desse
tamanho era economicamente
inviável dada a quantidade de
variáveis envolvidas. As grandes
equipes européias de futebol, por
exemplo, estão próximas desse limiar, mas não o atingem, seja pela tentação da falcatrua -é muito dinheiro na mão de pouca gente-, seja pelos próprios limites
da legislação do continente.
No automobilismo, porém, uma
grande parcela das variáveis tem
solução técnica. Resta, então,
uma boa seleção de profissionais,
pilotos à frente, para a receita dar
resultado. Na F-1 e nas motos,
bastou contratar os melhores do
setor. No rali e em Le Mans, a saída foi garantir qualidade com
quantidade, vários recrutados.
Deu certo neste ano, pode continuar a dar certo no ano que vem,
Schumacher que o diga. Só que o
sistema não garante uma coisa
fundamental no esporte, que é a
disputa, a concorrência, a essência da coisa. Ninguém liga a TV
para assistir a uma corrida em
que se sabe o resultado.
As fábricas, principais responsáveis, deveriam pensar nisso.
Mas, claro, não vão pensar.
O melhor
Schumacher, cinco vezes Schumacher. O alemão é o piloto mais
brilhante de sua geração, um dos melhores da história. Não deve
parar por aí. Seu problema continuará sendo a falta de rival. Não
vai virar lenda sendo seis ou sete vezes campeão, só recordista. Vai
virar lenda se fizer isso superando alguém, que ainda não existe.
O pior
A lista é enorme. As marmeladas ferraristas, o patético circo sugerido por Mosley e Ecclestone, a falência do terceiro pelotão, a perigosa mudança de regulamento da F-1, a decadência da Indy, a cada
vez mais arraigada cultura monomarca do automobilismo no país.
E a triste cassação do título de campeão da F-3000. Pior, a absoluta
e generalizada falta de dinheiro, que inibe o investimento de fábricas (que fique claro, as que estão perdendo) e patrocinadores. A
temporada fica para a história, por tudo que aconteceu dentro e fora das pistas. Que 2003 seja pelo menos um pouco melhor.
E-mail mariante@uol.com.br
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