São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 2002

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MOTOR

Tudo tem preço

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Na última coluna do ano, a falta de assunto impõe uma análise retrospectiva. E, se olhar para trás normalmente é procurar registros dos fatos marcantes, a temporada deste ano, vista assim concluída, proporciona algo mais, quase uma regra: domínios.
A começar pelo mais evidente, o reinado Schumacher-Ferrari na F-1. Mas teve muito mais. No Mundial de Rali, pouco divulgado por aqui, o pódio não era vermelho, mas prateado, cor dos 206 da Peugeot, que fizeram o campeão e mais um verdadeiro naco das primeiras colocações.
Em Le Mans, a Audi, mais uma vez, destruiu qualquer chance de disputa com as outras fábricas. E a grande notícia, na verdade, foi a empresa anunciar que essa fora a edição derradeira de sua curta, mas absolutamente vitoriosa, carreira na mais famosa corrida de longa duração do mundo.
Na MotoGP, o jovem Valentino Rossi e sua Honda de quatro tempos igualmente arrebentaram a concorrência na temporada em que a categoria sofreu uma revolução nas regras -em busca, ironicamente, de maior equilíbrio.
E, na Indy, após um semestre de defecções e falta de dinheiro, o piloto mais regular, Cristiano da Matta, no time mais organizado, a Newman-Haas, também quase ignorou o resto do grid para ganhar o título por antecipação.
O contraponto no automobilismo de ponta foi a IRL, que viveu uma temporada atípica graças a uma inédita injeção de recursos. Fábricas, times e pilotos vindos da Indy acabaram com o forçado sotaque caipira da liga de Tony George -e, mesmo assim, foi necessário um acidente para parar Gil de Ferran e a Penske.
Ou seja, a temporada deste ano não foi apenas um passeio ferrarista. Foi um passeio de grandes marcas, ou mais precisamente, de grandes investidores, que jogaram para ganhar, apenas para ganhar. Todo mundo faz isso? Sim, mas desta vez foi diferente.
Deixando de lado o caso particular do automobilismo norte-americano -único lugar do mundo onde as fábricas são meras fornecedoras de peças-, o esporte a motor parece ter atingido um ponto temerário: já é possível estabelecer o custo da vitória, do campeonato, do sucesso.
Quem conhece um pouco de esporte sabe que isso, até outro dia, não passava de utopia. Estabelecer um padrão de qualidade desse tamanho era economicamente inviável dada a quantidade de variáveis envolvidas. As grandes equipes européias de futebol, por exemplo, estão próximas desse limiar, mas não o atingem, seja pela tentação da falcatrua -é muito dinheiro na mão de pouca gente-, seja pelos próprios limites da legislação do continente.
No automobilismo, porém, uma grande parcela das variáveis tem solução técnica. Resta, então, uma boa seleção de profissionais, pilotos à frente, para a receita dar resultado. Na F-1 e nas motos, bastou contratar os melhores do setor. No rali e em Le Mans, a saída foi garantir qualidade com quantidade, vários recrutados.
Deu certo neste ano, pode continuar a dar certo no ano que vem, Schumacher que o diga. Só que o sistema não garante uma coisa fundamental no esporte, que é a disputa, a concorrência, a essência da coisa. Ninguém liga a TV para assistir a uma corrida em que se sabe o resultado.
As fábricas, principais responsáveis, deveriam pensar nisso. Mas, claro, não vão pensar.

O melhor
Schumacher, cinco vezes Schumacher. O alemão é o piloto mais brilhante de sua geração, um dos melhores da história. Não deve parar por aí. Seu problema continuará sendo a falta de rival. Não vai virar lenda sendo seis ou sete vezes campeão, só recordista. Vai virar lenda se fizer isso superando alguém, que ainda não existe.

O pior
A lista é enorme. As marmeladas ferraristas, o patético circo sugerido por Mosley e Ecclestone, a falência do terceiro pelotão, a perigosa mudança de regulamento da F-1, a decadência da Indy, a cada vez mais arraigada cultura monomarca do automobilismo no país. E a triste cassação do título de campeão da F-3000. Pior, a absoluta e generalizada falta de dinheiro, que inibe o investimento de fábricas (que fique claro, as que estão perdendo) e patrocinadores. A temporada fica para a história, por tudo que aconteceu dentro e fora das pistas. Que 2003 seja pelo menos um pouco melhor.

E-mail mariante@uol.com.br


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