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BASQUETE
Penso, logo existo
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
Embora bebessem chá gelado, limonada, um refresco
desse tipo, Mike Dunleavy se sentia levemente embriagado. Os
dois caminhavam descalços pela
praia particular. Jogavam conversa fora. Admiravam o oceano.
Pareciam amigos do peito.
Naquela tarde na Califórnia,
tudo corria conforme o planejado
pelo treinador novato, que, ao
mesmo tempo assombrado e extasiado com a perspectiva de assumir o comando do mais glamouroso clube da NBA, queria
quebrar o gelo, tentava se aproximar da grande estrela do time.
Entre uma amenidade e outra,
Dunleavy fazia uma reverência
profissional ao anfitrião. Perguntou o que ele achava que funcionava na equipe e o que ele achava
que não funcionava. Pediu conselhos táticos. Prometeu cumplicidade no dia-a-dia de trabalho.
Ao final do encontro, o técnico
abriu a pasta e sacou um calhamaço, encadernado com capricho. "Este é o "playbook" do time
para o campeonato. Ele explica o
sistema de jogo e tem todas as jogadas que eu desenhei, que eu desejo implantar. Achei que você
gostaria de recebê-lo antes dos colegas, de estudá-lo em primeira
mão. É um gesto simples, que gostaria que simbolizasse o início de
nossa amizade."
Magic Johnson pegou o embrulho. Sorriu para o convidado o
mesmo sorriso marcante que,
junto com os passes mirabolantes
e as vitórias memoráveis, construiu sua reputação por todo o
planeta. E, sem nem folheá-lo, arremessou o manual com toda a
força para o mar. O armador do
Los Angeles Lakers então apontou o dedo para a cabeça e explicou: "O "playbook" sou eu".
A história, que o simpático treinador (hoje no LA Clippers) me
contou há alguns anos em Nova
York, é do verão de 1990, mas serve de parábola para o campeonato em curso da liga americana,
uma edição que resgatou o basquete rápido, prazeroso, que recompensa o livre pensamento.
Alguns vêem influência da
Olimpíada, que testemunhou o
sucesso de times pouco mecânicos. Uns dizem que os donos das
franquias querem que o público
se divirta mais com o jogo, mesmo
que isso custe a vitória. Outros
atribuem à evolução física dos
atletas, cada vez mais velozes.
Tanto faz. Importa, sim, é que,
até o fim de semana, oito equipes
ostentavam médias superiores a
cem pontos por jogo. Na temporada anterior, foram só duas.
Na vanguarda do movimento, e
no topo da classificação (23v e
3d), aparece o Phoenix Suns, pouco cotado antes do torneio, mas
que surpreende, solidário e mortal nos contra-ataques.
É o único time, por exemplo,
com dois jogadores registrando
duplo-duplos (dez ou mais em
duas estatísticas), casos de Steve
Nash e Shawn Marion. Ainda assim, é um terceiro, Amaré Stoudemire, quem colhe mais elogios.
"Não entendo o sucesso desses
caras. Eles parecem nem ter um
manual de jogadas", inconformava-se após a derrota o ala Darius
Miles (Portland), jovem concebido no mundo das pranchetas e,
por isso, alheio a uma dimensão
que o esporte felizmente redescobriu nesta virada de ano.
Prancheta 1
Há 20 anos, os times da NBA anotavam 110,8 pontos por jogo. Número que o atual campeão (Detroit) não alcançou nenhuma vez.
Prancheta 2
O ataque do Phoenix, com a ajuda do brasileiro Leandrinho, mete
hoje 109 pontos por partida, 15 a mais do que em 2003/04.
Prancheta 3
A frase é de Eddie Johnson, arremessador que brilhou no ultraofensivo Phoenix nos anos 80 (média de 113 pontos) e advogado do jogo
fluido, de contra-ataques: "A cadeira que fica à beira da quadra tem
um propósito. O técnico só devia se levantar dela para reclamar da
arbitragem e, de vez em quando, reativar a circulação das pernas."
E-mail melk@uol.com.br
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