São Paulo, quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

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JOSÉ ROBERTO TORERO

O mais querido será o mais odiado?


Se as coisas continuarem como estão, o São Paulo terá um futuro róseo e também será o clube mais invejado


OS SÃO-PAULINOS, num gesto romântico e amoroso, passaram, em algum momento da história de seu time, a chamá-lo pelo epíteto de "o mais querido".
Será esta imodesta idéia verdadeira? Ou será o contrário? Vamos pensar (oh, coisa dolorosa...). Comecemos pelo óbvio: se o São Paulo mantiver a atual diretriz de eficiência, racionalidade e competência gerencial, tende a ter um futuro róseo. Afinal, o ser humano possui uma tendência natural a idolatrar os vencedores e desprezar os vencidos. Isso se explica tanto por razões práticas como psicológicas. É como se da vitória emanasse uma aura de euforia, otimismo e felicidade que gostamos e, às vezes, precisamos experimentar.
Entre outras coisas isso explica o porquê de as torcidas de Portuguesa, Juventus e Nacional terem tido um, digamos, modesto crescimento nos últimos anos (ah, o que seria de nós sem os eufemismos). As estimativas mais recentes apontam a torcida são-paulina como a terceira maior do país. Nada mal para quem era a quinta ou sexta antes da Era Telê.
Títulos atraem torcedores, principalmente mirins. E não podemos culpar os meninos por isso. Ninguém sente prazer em agüentar gozações toda segunda-feira e muito menos deseja a pecha de perdedor. Não adianta esperar por milagres.
Mais e mais garotos quererão ser são-paulinos nos próximos anos e, com isso, o rebanho tricolor só tende a aumentar. Em conseqüência disso, coisas inimagináveis começam a ser imaginadas. Os corintianos, por exemplo, andam ressabiados. Será que vamos perder o posto que sempre nos orgulhou, o de maior torcida do Estado? Isso seria uma piada nos anos 70; hoje é uma projeção estatística. E perfeitamente aceitável.
Claro que boa parte do êxito do São Paulo deve ser creditado aos seus adversários históricos na cidade. Pense no Corinthians, que começou o ano com os cofres recheados de milhões e chegou a ficar na lanterna do Brasileirão. Pense no Palmeiras, que, além de nem sonhar em ganhar nada, ainda viveu momentos trágicos como goleadas ante Paraná e Figueirense, o atraso de salários e a antológica auto-entrevista do diretor Palaia. Com sua miscelânea política e confusão administrativa, eles são grandes tributários do sucesso do time do Morumbi.
Já o Santos teve algumas glórias recentes, mas, com o esvaziamento dos cofres e seu futebol pragmático, não sei se há muitas esperanças de conter a onda tricolor. E, caso essa onda de glórias, triunfos e êxitos se alongue, ela despertará reações nos torcedores rivais. As mais comuns deverão ser aumento da bile, perda dos cabelos e uma tendência a mordiscar os lábios. Outros podem desenvolver uma inclinação ao mau humor e à irritabilidade. Relatórios médicos indicam propensão a comentários do tipo: "Ganharam de novo, é? Hum! Grande coisa! Bom era o meu time nos anos...".
Relatos de socos em almofadas e engasgos com pipoca também têm sido relatados nos estudos. Bufos e um pendor para disparar palavrões ainda fazem parte desse quadro patológico. Não nos enganemos, leitor, se as coisas continuarem como estão, os sorrisos são-paulinos serão cada vez mais largos e brilhantes.
Por outro lado, em cada esquina do país você poderá encontrar um santista invejoso, um palmeirense avinagrado, um cruzeirense indisposto, um atleticano deprimido, um gremista despeitado, um flamenguista aborrecido, um vascaíno amuado, um tricolor (das Laranjeiras) azedo. Mais querido? Do jeito que as coisas vão, o São Paulo tem tudo para se transformar é no mais odiado dos clubes brasileiros.

torero@uol.com.br


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