São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2000


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FUTEBOL
O tempo é relativo

TOSTÃO

Para se formar um grande time, é necessário planejamento, ousadia, seriedade, boa comissão técnica, tática adequada às características dos jogadores, bom conjunto, sorte e principalmente talento individual.
O leitor Raimundo dos Santos me pergunta quanto tempo é preciso para que bons jogadores formem um bom conjunto. Não sei. O tempo é relativo. Às vezes, ele somente serve para aumentar os erros e revelar as deficiências.
As grandes equipes da história do futebol se descobriram de repente.
Cruyff escreveu que a excepcional seleção da Holanda nasceu dias antes de sua estréia na Copa do Mundo de 74. Por falta de entrosamento, resolveram inovar e encantaram o mundo com um futebol revolucionário. Existem outras dezenas de exemplos.
Para se formar um bom conjunto, muito mais importante que o tempo são as características dos jogadores. A primeira vez que joguei com Dirceu Lopes, no Cruzeiro, nós dois com 17 anos, parecia que atuávamos juntos há uma eternidade.
As qualidades que me faltavam, sobravam no Dirceu e vice-versa. Antes da bola chegar, um adivinhava a futura posição do outro. É a comunicação analógica, corporal, sem palavras, muito mais rica que a digital e consciente.
Uma boa orquestra precisa de bons e variados instrumentos. Cada um tem seu brilho.
Quando se afinam, nasce um espetáculo grandioso, independentemente do tempo.

Sou a favor dos campeonatos estaduais por causa da rivalidade das equipes, da tradição, mas penso que eles deveriam ser ainda mais curtos. Eles também servem para que os tradicionais dirigentes se perpetuem no poder.
A cada ano nota-se claramente a queda de qualidade técnica dos pequenos times, com poucas exceções. Os grandes do Rio, São Paulo e Minas Gerais (Estados que tenho oportunidade de acompanhar o futebol de perto) aplicam goleadas e precisam jogar muito mal, principalmente em casa, para serem surpreendidos.
Alguns jogadores modestos se destacam nos estaduais e iludem treinadores e torcedores.
Outros, consagrados como Romário, aproveitam para manter o prestígio e dar seu show com gols maravilhosos. O Baixinho foi o artilheiro dos últimos quatro estaduais, mas não repete a atuação no Brasileiro, por falta de melhor condição física, de sequência nos jogos, pelas seguidas contusões e qualidade dos adversários.
A fragilidade das pequenas equipes nos campeonatos estaduais reafirma a suposição de que esses clubes terão dificuldades de sobreviver com a profissionalização e modernização do futebol, que ainda não chegou ao Brasil.
Provavelmente os pequenos clubes terão que se associar para aumentar suas torcidas, conseguir bons patrocinadores e formar bons times.
O que vai valer para saber o quanto a empresa vai investir será o tamanho da torcida.

Após as goleadas contra os times pequenos, o Flamengo se iludiu que tinha uma grande equipe. Joel explorou muito bem o fraco lado direito do adversário. Maurinho fechava para o meio como um terceiro zagueiro, e o habilidoso e rápido Misso aproveitava esse espaço. Catê, apesar de veloz, não conseguia marcá-lo. O ponta-direita do Flamengo já é fraco correndo para frente, pior ainda para trás.
Reinaldo, a jovem promessa do Mengo, artilheiro do campeonato ao lado do Edmundo, precisa jogar bem por mais tempo para ser convocado para a seleção olímpica. O atacante Lucas, do Atlético-PR, brilha com mais intensidade há mais tempo.
O Vasco segue vencendo, mas ainda não enfrentou um dos grandes. Se achar que está tudo ótimo, cai do cavalo, como o Flamengo.

O companheiro José Geraldo Couto lançou, brilhantemente, uma dúvida em sua coluna: ""A disputa entre Romário e Edmundo está tão deliciosa que me leva a desconfiar: será que os dois não estão de gozação com todo mundo, simulando uma rixa que não existe (como a do Maluf e Pitta, segundo Nicéa)?".
Se não for uma simulação, suponho que eles não só gostaram, como, consciente ou inconscientemente, estão explorando a briga.
Seus empresários devem estar gostando da audiência. Os dois jogadores não combinaram, mas podem ter feito um pacto subliminar, sem palavras e documentos assinados.
Se continuarem a fazer belíssimos gols, seremos todos, com prazer, testemunhas do contrato.

E-mail tostao.folha@uol.com.br


Tostão escreve às quartas-feiras e aos domingos

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