São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2000


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Ringue é refúgio de menores na cidade mais perigosa do país
Socos são arma contra violência em Diadema


Técnico de boxe busca com caminhão menores carentes na favela para treiná-los


EDUARDO OHATA
da Reportagem Local

As crianças e adolescentes da favela Sete Campos já se acostumaram: nos finais de tarde, o treinador de boxe Lindoarte Patriota passa com seu caminhão e as leva para um local onde ""mãos na cabeça" não é ordem de policiais, mas instruções sobre como praticar exercícios abdominais.
Outros garotos, do grupo de 30 menores carentes de Diadema (Grande São Paulo), a cidade mais violenta do Brasil segundo levantamento de 1997, que treinam com Patriota, vão de bicicleta ou a pé para a academia, que funciona na Associação dos Funcionários Públicos de Diadema.
Em 1997, no município, foram 140,4 homicídios por 100 mil habitantes, segundo o Ministério da Saúde. A chance de ser vítima de assassinato é de uma em 714.
Todas as segundas, quartas e sextas à tarde e nas manhãs de sábado, Patriota ministra aulas aos garotos, mesmo aqueles com idade inferior à permitida para competir oficialmente (16 anos). O mais jovem aluno tem 8 anos.
Os garotos carentes dividem o espaço de 25x5 m da academia, construída com material improvisado, com mais cerca de 30 boxeadores de maior idade.
""O professor nos ensina que é melhor vir aqui fazer coisas sadias do que ficar na porta do bar esperando algo errado acontecer", diz Diego de Jesus Amaral, 12, que não chegou a conhecer o pai e cuja mãe, Eliete Cosimira, sustenta a casa com o salário que ganha trabalhando numa farmácia.
Os meninos, que têm seus cabelos cortados gratuitamente por cabeleireiras da AFPD, são logo ensinados a respeitar o próximo.
""Uma das primeiras coisas que passo para eles é que o sangue que corre nas minhas veias é o mesmo que corre nas deles", diz Patriota.
Ex-comerciante - manteve por anos um mercadinho na favela-, o técnico hoje sobrevive alugando um ringue, que já foi usado por um artista norueguês na Bienal de Arte de São Paulo.
Neste mês, a Prefeitura de Diadema registrou Patriota, que ensina boxe no município desde 1968, como funcionário público, passando a receber o salário correspondente ao de um professor (cerca de R$ 1.200 por mês).
""Todo ano de eleição, vinha doutor daqui e dali. Usavam meu nome, até sem autorização, mas por minha academia que era bom, nada faziam", reclama.
No encerramento das aulas, Patriota dá conselhos aos alunos sobre o que fazer mais fora do que dentro dos ringues. Recentemente, um dos temas abordados foi como lidar com a polícia.
""A polícia é como uma família: tem gente boa e ruim. Quando forem parados na rua, não tentem fugir. Olhe o policial nos olhos e diga que você é um atleta e está voltando do treino. Então, tire, sem movimentos bruscos, sua carteirinha do clube", ensina.
As carteirinhas trazem, além de informações dos atletas, o telefone de Patriota, para que sirvam de referência no caso de seus alunos serem abordado por policiais.
""Por aqui, é normal ser parado por policiais. Mas eles têm compreensão quando vêm que praticamos esporte, nos liberam", diz Sabino Brandão, morador da favela Sete Campos que traz no currículo vice-campeonatos nos torneios Forja de Campeões do ano passado e Jogos Abertos do Interior de 1998 e de 1999.
Ex-alcoólatra, Brandão abandonou o vício por causa do esporte. ""Quase me perdi. Era balconista de um bar, atendi mal o professor, e ele disse que poderia me ajudar, pois procurava gente "brava"."
Além do corpo-a-corpo, outra maneira de atrair novos alunos são as festas, com lutas de boxe, que promove no meio da favela. No mês passado, Patriota diz ter reunido 2.500 pessoas. ""Foi aí que me interessei", diz o lavador de carros Dilmar Nunes Santos, 20.
""Ainda não decidi de que cidade vou trazer os garotos para a próxima festa, talvez Francisco Morato. Tem que ser um pessoal que come feijão e mortadela. Quem está acostumado com McDonald's não vira campeão."
O técnico planeja usar a rivalidade entre os bairros, que chega a evoluir até para as guerras de gangues, em proveito dos garotos.
""Estou organizando torneios com garotos de áreas vizinhas. Os grupos poderiam ser patrocinados por comerciantes", diz, ao explicar que os atletas ganhariam alimentos como pagamento.


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