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JUCA KFOURI
Esse Tostão, não sei não...
A velha tia libanesa era
sábia. Mais que "patrício",
o ex-craque do futebol também dá aula de ética
FAMÍLIA TODA reunida diante
da TV em preto-e-branco e a
bola correndo nos gramados
mexicanos. Vivia-se um momento
mágico do futebol, a Copa de 70, que
consagraria a seleção brasileira como dona definitiva do troféu Jules
Rimet, disputado havia 40 anos.
Uma estréia é sempre nervosa, e
coube aos brasileiros enfrentar os
tchecos, com quem já tinham decidido a Copa de 62, no Chile.
Eles saíram na frente, e, vez por
outra, tocando rapidamente na bola,
aparecia a extraordinária figura de
Tostão no vídeo.
Era o único momento que parecia
interessar à velha tia libanesa, que
mal falava o português.
Sem que ninguém lhe desse a menor atenção, ela se limitava a resmungar, para si mesma: "Esse Tostão, não sei, não... Esse Tostão...".
Os tchecos foram batidos por 4 a 1,
e vieram os ingleses, últimos campeões mundiais.
E, cada vez que Tostão aparecia, a
tia repetia: "Esse Tostão, não sei,
não...Esse Tostão...". Num jogo inesquecível, e numa jogada desse "Tostão, não sei, não... Esse Tostão...",
maravilhosamente compartilhada
com Pelé e finalizada por Jairzinho,
os brasileiros ganharam de novo,
por 1 a 0.
Depois foi a vez dos romenos, 3 a 2
para o Brasil, e a tia insistia em sua
ladainha misteriosa.
Contra o Peru, já pelas quartas-de-final, Tostão fez dois gols, sempre acompanhados pela frase que irritava alguns, divertia outros e não
interessava à maioria dos parentes.
Valia mesmo era comemorar os 4 a 2
no time dirigido por mestre Didi.
A semifinal, contra o Uruguai, foi
de matar do coração. Só se falava em
1950 e, entre o primeiro gol celeste e
o terceiro brasileiro, pouco se ouviu,
mas se ouviu a cantilena sem fim da
tia libanesa: "Esse Tostão, não sei,
não... Esse Tostão...".
Então, chegou o grande dia, o dia
da finalíssima, contra a Itália.
Quem ganhasse ficava com a taça,
Itália bicampeã em 1934/1938, Brasil bicampeão em 1958/1962.
Houve sobrinho que ameaçou enforcar a tia se ela não parasse com
aquilo, mas, durante, ninguém despregava o olho do espetáculo que a
TV transmitia, na consagradora goleada de 4 a 1. E a velha tia lá, a falar.
Jogo terminado, festa instalada,
uma das últimas imagens mostrava
Tostão praticamente nu, só de sunga, despido pelos torcedores. O que
deu à tia libanesa a derradeira chance de soltar, e aí numa gostosa exclamação, o seu "Esse Tostão, não sei
não... Esse Tostão!...".
Foi então que uma alma piedosa
virou-se para ela e perguntou: "Tia,
por que você passou a Copa inteira
implicando com o Tostão?".
E ela, angelicamente, respondeu:
"Esse Tostão?! Esse é patrício, le.
Olha a carinha dele, olha a carinha
dele".
Reconto tudo isso, extraído de
meu livro "Meninos, eu vi", das editoras DBA/Lance!, porque esse Tostão acaba de marcar mais um golaço
em sua vida, ao exigir que a Caixa
Econômica Federal retire sua imagem de uma propaganda da Timemania. Porque, mesmo não sendo
formado em jornalismo, Tostão tem
a formação que distingue as pessoas
de bem dos amorais que infestam
nossa imprensa.
E qual foi a reação da CEF?
Prontamente o atendeu. Viva!
blogdojuca@uol.com.br
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