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O mundo é dos carecas (de alguns carecas)
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
da Reportagem Local
A poucos dias do primeiro
amistoso na Europa, o noticiário orbita entre a tragédia
anunciada e as demonstrações
ufanistas de praxe. E a figura
de um garoto leucêmico, por
mais triste que possa parecer,
torna-se automaticamente reflexo de saúde, força e sucesso
no encontro com o ídolo, careca por opção, Ronaldinho.
No dia seguinte, o mesmo
Ronaldinho é confrontado
com uma enquete, feita supostamente em Hollywood, onde
as beldades decretaram o que
a marchinha de carnaval já
dizia há décadas.
E, se é dos carecas que elas
gostam mais, seria razoável
supor que os modelos de propaganda de margarina passarão a raspar o cabelo.
Mas, claro, para ser careca e
bonito é preciso muito mais do
que um crânio bem desenhado. É preciso representar algo,
como no caso de Ronaldinho.
Não apenas o jogador veloz e
eficaz, que brilha sobre qualquer gramado do planeta, mas
também o sujeito bem-sucedido, que anda de Ferrari e namora com uma gostosa.
Como diz o comercial de refrigerante que o atacante protagoniza a bordo do carro vermelho e da loura Suzuna Werner, "brasileiro gosta de carro,
futebol e mulher". Ronaldinho
tem tudo isso de sobra.
E, por essa razão, é ídolo, para boa parte do público.
A tese pode até soar inverossímil aos que acompanham o
futebol como um esporte. Esses, porém, não sustentariam
recordes de audiência e centenas de milhões em patrocínio.
Basta acompanhar a exploração de sua imagem nos últimos dois anos. No primeiro comercial, o menos apelativo,
aliás, aparecia como boleiro
em ação. Logo foi transformado em nu artístico, cristo redentor e chefe de escoteiros
mamíferos, para, finalmente,
incorporar o personagem-padrão do comercial de TV, o cara bem-sucedido, que tem carro, mulher e tudo mais.
Mais bem conceituado jogador da atualidade, Ronaldinho é apenas o extrato de um
sistema altamente profissional
e milionário em que o esporte
é, ao mesmo tempo, razão de
tudo e mero detalhe. Algo relativamente novo, impensável
nos tempos em que a relação
pecuniária no futebol se desenvolvia basicamente após o
jogo, no pagamento do bicho.
A verdade é que, se vivesse
agora, Garrincha estaria provavelmente vendendo leite para criancinhas também. E teria um grupo de empresários
coibindo sua boêmia -pelo
menos aquela que atrapalhasse suas pernas em campo.
E seria admirado como os jogadores são agora, com um
misto de adoração e inveja,
não apenas pelo esporte, mas
pela imagem de sucesso que
exalam de seus ternos caros e
cabelos raspados.
Como aconteceu no vôo que
trouxe Rivaldo e Giovanni para São Paulo, há algumas semanas, onde, na classe econômica, a presença da dupla do
Barcelona era o assunto.
"Saiu da favela, é semi-analfabeto e hoje tem uma Cherokee, uma BMW e viaja de primeira classe. E, nós, aqui,
apertados no porão."
Desdenhoso, o comentário
partiu do mesmo sujeito que,
ao final da viagem, já na esteira de bagagem, aproveitou a
oportunidade para pedir uma
foto junto aos jogadores.
Atendido, sorriu ao abraçar
Rivaldo. Concorde ou não, estava rendido ao ídolo.
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