São Paulo, domingo, 29 de julho de 2001

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FUTEBOL

Jogadores do Dinamo que venceram nazistas são tema de documentário

Time de Kiev inspira filme e livro sobre a 2ª Guerra

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Momentos antes da segunda partida contra a equipe da Força Aérea Alemã, o vestiário do FC Start, time de Kiev formado por ex-jogadores do Dinamo durante a ocupação da Ucrânia pelos nazistas, recebe a visita do árbitro que apitaria o confronto. E uma ordem: ""Cumprimentem o adversário do nosso jeito".
Pelo ""nosso jeito", entenda-se a saudação ""Heil Hitler", que atormentava os habitantes das terras invadidas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial (1939-45).
Com a saída do árbitro, uma discussão toma conta do vestiário. Alguns acham que o melhor a fazer é simplesmente ignorar a ordem, entrar no gramado e jogar futebol. Outros, não. Defendem que a instrução deva ser seguida à risca, evitando retaliações dos alemães após o jogo.
Há até quem vá mais longe, sugerindo que o melhor a fazer é entregar a partida para os rivais, como uma forma de saciar a ira das tropas nazistas.
Quase 60 anos depois da discussão no vestiário, a história do Dinamo, equipe que ""sumiu" para dar origem ao FC Start durante a Segunda Guerra, volta à cena.
Além de ser tema de um filme, que começará a ser rodado em setembro, chega às prateleiras das principais livrarias européias com a obra ""Dinamo -Defendendo a Honra de Kiev", do escritor e jornalista britânico Andy Dougan.
Fruto de quase três anos de pesquisa, o trabalho de Dougan reconta o período em que Kiev ficou nas mãos dos nazistas (1941-43) e a história da resistência à ocupação do ponto de vista dos jogadores de futebol.
Foram eles, afinal, os responsáveis por dois momentos marcantes da resistência, quando enfrentaram e humilharam o Flakelf, o time de futebol dos invasores.
Dois momentos marcantes não, três. O crucial, segundo relato de Makar Goncharenko, um dos jogadores do Start, a uma emissora de rádio russa em 1992, foi quando ocorreu a saudação ao público.
Primeiro entrou em campo o time da Força Aérea Alemã. Ao cumprimentar a torcida, o tradicional ""Heil Hitler".
Em seguida, a vez do Start. No lugar do ""Heil Hitler", outro grito: ""FitzcultHura", uma mistura de ""fitzcultura" -culto ao corpo- e urra, que queria dizer ""longa vida ao esporte" e era tradicional na então União Soviética.
Os torcedores alemães, que ocupavam os melhores lugares do estádio em Kiev, foram pegos de surpresa. Mais irritados ficariam depois, quando o Start deixaria o gramado com nova vitória.
Depois de enfiarem 5 a 1 nos nazistas no primeiro jogo, venceram por 5 a 3 a revanche. Uma revanche, de acordo com Goncharenko, marcada só porque os alemães não se conformavam com a primeira derrota, ocorrida três dias antes, em 6 de agosto de 1942.
Para o segundo jogo, o time da Força Aérea Alemã veio mais forte. De acordo com Vladimir Mayevsky, pesquisador que entrevistou torcedores presentes no ""Jogo da Morte", como ficou conhecida a revanche entre ucranianos e alemães, os nazistas se reforçaram para conseguir a desforra.
No banco, contavam com sete jogadores, que poderiam substituir os titulares em caso de contusão. O Start, pelo contrário, tinha o banco vazio. Ou quase. Apenas Grigory Osinyuk, o responsável por dar as instruções aos jogadores, ocupava o espaço.
Mesmo assim, o time de Kiev jogou melhor e saiu vitorioso. Nas arquibancadas, sua torcida foi agredida pelas tropas alemãs, mas os jogadores saíram ilesos. Pelo menos naquele dia.
Depois do novo fracasso, a Gestapo, polícia de Adolf Hitler (1889-1945), esperou um pouco para tomar providências. Mas as tomou, dias mais tarde. Invadiu a ""Padaria do Número Três", como era chamada pelos ucranianos o local onde moravam e trabalhavam os atletas do Start, e deteve todos que conseguiu pegar.
Após três semanas de interrogatórios e torturas, os jogadores foram enviados a um campo de concentração, onde oito deles seriam executados.
Mas o documentário sobre a história do Start, uma forma de o governo ucraniano homenagear o Dinamo e a população de Kiev, não deve parar por aí.
Ela passa pelos anos 50, quando o Dinamo começa a se reerguer da tragédia que quase o destruiu durante a guerra, voltando a ser uma potência no futebol, e termina em 1971, quando um monumento é colocado em seu estádio para homenagear o time de 1942.



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