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São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 2003

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Contra o Pan, padre acende tocha da fome

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Em meio a crianças da periferia de Santo Domingo, o padre Rogelio Cruz mostra a 'tocha da fome'



Líder de comunidade carente em Santo Domingo, Rogelio Cruz critica gastos com Jogos em um país pobre


EDUARDO OHATA
GUILHERME ROSEGUINI
JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
ENVIADOS ESPECIAIS A SANTO DOMINGO

Suas únicas armas são dois latões enferrujados. E, mesmo assim, ele se tornou uma das figuras mais temidas pelos dirigentes que organizam o 14º Pan-Americano.
O responsável por esse alvoroço é um padre de 44 anos que lidera uma comunidade na periferia de Santo Domingo. Seu nome é Rogelio Cruz, e sua idéia é simples: mostrar que os Jogos estão escondendo as falcatruas políticas e a pobreza em que vive a população.
Para trazer os holofotes às teses que defende, ele bolou uma forma pitoresca de protestar. Sobrepôs duas velhas latas, improvisou uma pira no topo e batizou a engenhoca de "tocha da fome".
"Ela será acessa no dia 1º, com a tocha do Pan. Vamos mostrar que o nosso país está à beira de uma explosão social, que o governo é mafioso e que o Pan é um evento feito só para os poderosos", disse.
Cruz explica que vai percorrer os bairros mais carentes da cidade durante os Jogos, que vão de 1º a 17 de agosto. E, em cada parada, quer trabalhar três objetivos.
O primeiro é de caráter educativo. Pretende dimensionar tudo o que foi despendido no Pan. "Vamos falar sobre quantos medicamentos poderiam ser comprados, quantos hospitais construídos e quantas escolas reformadas com os US$ 158 milhões que o governo torrou nos Jogos", conta ele.
A segunda parte será dedicada à recreação. Cruz vai promover pequenas partidas esportivas. "Jogaremos com nossas roupas velhas e nossos tênis rasgados, em contraponto à ostentação dos atletas."
Por fim, as visitas culminarão em eventos culturais. O padre deseja convocar artistas dos bairros para cantar, tocar instrumentos e promover danças folclóricas.
Trajando calça jeans, camiseta e tênis All-Star, ele planeja toda essa peregrinação em um acanhado escritório no bairro Cristo Rei, na periferia de Santo Domingo.
Esta não é é a primeira vez que o sacerdote bate de frente com as autoridades. Apesar de ter apoiado o atual presidente, Hipólito Mejía, na época do pleito eleitoral, Cruz já entrou em outras discussões com o governo. E, por conta disso, diz sempre estar sendo repreendido. "Em Cristo Rei vivem 103 mil pessoas. Aqui não tem hospital, não tem cinema, não tem nada", afirma o sacerdote.
Ordenado padre em julho de 1990, trabalha no local há dez anos. Sem ajuda do governo -como faz sempre questão de frisar-, construiu uma associação comunitária que oferece aulas de informática, marcenaria, teatro e música. Mas o governo diz não ser bem assim. Mejía afirma ter construído casas na região, enquanto a polícia considera o padre um agitador e chegou a acusá-lo de participação em sequestro. Cruz nega tudo.
E vai além. Conta que sofreu um atentado há um mês e foi salvo por Tony Estrella, que coordena a parte cultural de Cristo Rei, e acusa: "Quem tentou me matar era policial. Aqui, 60% da polícia é composta por bandidos".


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