São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 2002

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FUTEBOL

Perdeu o quê?

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

"O Brasil perdeu."
- O quê?
- O jogo.
- De quê?
- Do Paraguai, 1 a 0. O último do Felipão.
As palavras que faltam acima eram óbvias para o meu interlocutor - jogo de futebol, oras!-, mas, sinceramente, não sabia o que o Brasil tinha perdido. O rumo? A vergonha? A esperança? Não, o jogo. De futebol, oras.
Meu informante, um americano (que adora futebol e adorou seu oitavo lugar na Copa), trouxe assim, abrupta e economicamente, a primeira notícia do mundo exterior após semanas em que estive completamente fora do alcance de qualquer meio de comunicação -inclusive o boca-a-boca (não seria boca-a-ouvido?).
Como eu estava em um lugar que valoriza a redução de tudo ao mais simples, essencial; em que as reações habituais da mente intempestiva são laboriosamente apaziguadas, não tive muitos pensamentos. Ou tive, mas menos do que a torrente usual.
Perguntei (a mim mesma, não era ocasião para esticar o assunto): Será que todos jogaram? O jogo foi horrível? O Paraguai jogou muito bem? Os jogadores ficaram chateados? O público reagiu com indiferença, ironia, frustração ou revolta? Os críticos do Felipão se regozijaram com a derrota?
Parei por aí, deixei o assunto pendurado em algum cabide para a volta a São Paulo e relaxei. A não ser por um último pensamento: quer tenhamos jogado bem ou mal, isso não prova nada.

Depois de saber que o dólar tinha passado dos R$ 3 e que houve enchentes pavorosas na Iugoslávia, todas as outras notícias que me apareceram no caminho de volta também eram de esporte: "O Inter estava ganhando do Botafogo por 2 a 0 e deixou empatar!" (eu estava no Rio Grande do Sul, o que explica a relevância dada ao vacilo Colorado) e "O Pan-Americano vai ser no Rio".
Fiquei feliz com a última -acho que o Brasil não tem condições de sediar uma Olimpíada, mas um Pan está mais ao nosso alcance. Os investimentos indispensáveis em instalações esportivas trarão muitos benefícios a curto, médio e longo prazo, e a visibilidade do evento atrairá uma atenção incomparável para as diversas modalidades em disputa, o que é muito bom para os atletas, eternamente em busca da sobrevivência, para os fãs de esporte e para futuros atletas também.
Pena que oportunistas de todos os tipos devem aparecer para tirar uma lasquinha, oferecendo aquele apoio de ocasião ou comemorando conquistas que não são suas (isso inclui políticos, empresários, dirigentes etc.).
O que preocupa, sempre, é a infra-estrutura urbana que temos: trânsito, transportes, telecomunicações, essas coisas. O prefeito César Maia deu uma explicação curiosa para um item delicadíssimo: "Só a área da Barra da Tijuca oferece segurança absoluta. Ela é plana, pode ser patrulhada por terra e ar, oferece quatro saídas e não tem a presença de traficantes em comunidades". Esse conceito de segurança não me conforta nem um pouco... Chegamos ao ponto de considerar que uma região é "absolutamente segura" porque é fácil vigiar as entradas e saídas. Espero que um dia estejamos seriamente empenhados em diminuir a violência, mais do que em "aumentar a segurança". E o esporte pode dar uma boa contribuição nesse sentido.

Zero quilômetro
Todas as outras notícias esportivas chegaram ao mesmo tempo, e eu tive a sensação muito divertida de ser completamente neófita no assunto, como se estivesse lendo a seção de turfe. As mesmas informações que, pingadas no dia-a-dia, dão a impressão de que tudo se repete, tudo é muito monótono e previsível, eram incríveis revelações, como se uma revolução tivesse acontecido. Wanderley Luxemburgo saiu do Palmeiras?? Paysandu ganhou a Copa dos Campeões! Mário Sérgio é o novo técnico do São Caetano? E o Jair Picerni, do Guarani? O Galeano foi para o Botafogo, e o Abel tá lá de novo! Zinho no Palmeiras?! E Dodô! Guilherme no Corinthians! Pet no Vasco!! E o Romário... no Fluminense! Delicioso esse espanto, esse frescor, que só o tempo e a distância podem proporcionar. Férias, ah...

E-mail
soninha.folha@uol.com.br



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