São Paulo, Domingo, 29 de Agosto de 1999
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Atletas ignoram "temas universais", descartam samba-exportação e seduzem jurados com xaxado, forró e percussão
Nado sincronizado dança o Brasil na água

FÁBIO VICTOR
da Reportagem Local

Sem nenhuma tradição mundial no nado sincronizado, o Brasil quer compensar suas limitações no esporte mostrando ao mundo a música e a cultura do país.
A medalha de bronze no dueto, com as gêmeas Carolina e Isabela de Moraes, 19, no Pan-Americano de Winnipeg, encerrado no início deste mês, surpreendeu não somente pelo ineditismo (a única medalha que o país havia ganho na história do Pan, também de bronze, em 1963, fora na prova por equipe), mas pela forma utilizada para conquistá-la.
Elas apresentaram sua coreografia ao som do xaxado (ritmo originário de Pernambuco) "Xique-Xique", composto por Tom Zé e José Miguel Wisnik para o balé "Parabelo", do Grupo Corpo.
A experiência animou as brasileiras, que pediram a Tom Zé e Wisnik para compor uma nova música, que mostre igualmente algum ritmo genuinamente brasileiro, para o Pré-Olímpico da Austrália, em abril do próximo ano (leia texto abaixo).
Para a Copa Fina, que reúne a elite do nado sincronizado mundial e começa no dia 8 de setembro, na Coréia do Sul, o time brasileiro vai incorporar às do Pan coreografias com músicas do grupo mineiro Uakti e do multiinstrumentista pernambucano Antúlio Madureira.
O fenômeno começou a ficar visível no ano passado, quando, no Mundial de esportes aquáticos de Perth (Austrália), o conjunto brasileiro se apresentou ao som de berimbaus e de uma música do grupo de heavy metal Sepultura com a participação de índios xavantes.
Os exemplos refletem uma tendência crescente nos últimos anos no nado sincronizado brasileiro.
Não faz muito tempo, era comum ver as equipes do país desenvolvendo seus trabalhos ao som de música clássica ou "temas universais".
Em um Mundial da Juventude realizado há dois anos, a seleção juvenil brasileira se apresentou embalada pelo tema musical de Batman.
Nas provas de dueto (que reúne duas nadadoras, com duração de 2min30s a 4min) e por equipe (de quatro a oito atletas, com duração de 3min a 5min), as duas que constam no programa das Olimpíadas, a escolha da música é fundamental para a apresentação. Todos os movimentos têm que estar de acordo com o tema musical selecionado -para isso são instaladas caixas de som subaquáticas nas piscinas.
Uma das principais responsáveis por tal transformação conceitual é a ex-nadadora sincronizada Andrea Curi, 28, técnica do dueto medalhista e da delegação brasileira.
"Sempre houve no Brasil uma ânsia em copiar as coreografias dos EUA. Achei que devíamos buscar o nosso caminho, mas diversificando, mostrando não somente samba e batucada", afirma Andrea.
A diretora técnica da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos), Sônia Hercowitz, endossa o pensamento.
"Está se criando uma nova escola, que pretende mostrar a cara do país", analisa Sônia. Ela explica que as apresentações do nado sincronizado são julgadas levando em conta os critérios de mérito técnico e impressão artística. "Como temos ritmos que encantam todo mundo, temos que aproveitá-los como diferencial na impressão artística."
Se depender de Carolina e Isabela, que sempre escolhem com Andrea os temas das coreografias, a "brasileirização" só tende a aumentar.
"O Brasil possui a melhor cultura musical do mundo. Temos que levar isso para a piscina. Os EUA e o Canadá, por exemplo, não têm o que mostrar, então fazem temas fortes ou exóticos, como um relógio ou animais", afirma Carolina.
A equipe canadense medalha de ouro no Pan mostrou uma coreografia que representava um relógio.
Rússia e Japão (duas das maiores potências mundiais no esporte, junto com França, EUA e Canadá), além da Espanha, são alguns países que costumam utilizar temas de suas próprias culturas nas coreografias.
"A gente está decidida que é isso que queremos, mostrar a nossa cultura. E isso ajuda até a criar umas coreografias mais legais, feitas com mais gosto", reforça Isabela.
Ambas adoram dançar forró e têm a MPB como estilo musical preferido. E Esther Williams, a diva dos musicais aquáticos de Hollywood nos anos 40, espécie de precursora do nado sincronizado? "Sabemos que ela ajudou a desenvolver o esporte, mas não nos influenciou em nada. Nunca vimos um filme dela", diz Isabela.
A exaltação à cultura nacional não foi suficiente, porém, para manter as gêmeas no Brasil. Sem apoio (jamais tiveram patrocínio) e com infra-estrutura limitada, se mudaram no ano passado para Ohio (EUA), onde estudam e treinam, recebendo uma bolsa da universidade do Estado. "A gente acha até meio triste ter de deixar o país. Mas veio de lá (dos EUA) o apoio que nunca tivemos aqui."
O amor à cultura brasileira tampouco vai aumentar, segundo as próprias atletas, as chances brasileiras na Copa Fina e na Olimpíada de Sydney -para a qual têm boas chances de classificação (irão à Austrália 24 duetos e 9 conjuntos).
"Estamos evoluindo, mas nossas chances de medalha ainda são nulas. O Brasil não tem tradição, somos pouco conhecidas e há preconceito", afirmam as gêmeas.




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