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Atletas ignoram "temas universais", descartam samba-exportação e seduzem jurados com xaxado, forró e percussão
Nado sincronizado dança o Brasil na água
FÁBIO VICTOR
da Reportagem Local
Sem nenhuma tradição mundial
no nado sincronizado, o Brasil quer
compensar suas limitações no esporte mostrando ao mundo a música e a cultura do país.
A medalha de bronze no dueto,
com as gêmeas Carolina e Isabela de
Moraes, 19, no Pan-Americano de
Winnipeg, encerrado no início deste
mês, surpreendeu não somente pelo
ineditismo (a única medalha que o
país havia ganho na história do Pan,
também de bronze, em 1963, fora na
prova por equipe), mas pela forma
utilizada para conquistá-la.
Elas apresentaram sua coreografia
ao som do xaxado (ritmo originário
de Pernambuco) "Xique-Xique",
composto por Tom Zé e José Miguel
Wisnik para o balé "Parabelo", do
Grupo Corpo.
A experiência animou as brasileiras, que pediram a Tom Zé e Wisnik
para compor uma nova música, que
mostre igualmente algum ritmo genuinamente brasileiro, para o Pré-Olímpico da Austrália, em abril do
próximo ano (leia texto abaixo).
Para a Copa Fina, que reúne a elite
do nado sincronizado mundial e começa no dia 8 de setembro, na Coréia do Sul, o time brasileiro vai incorporar às do Pan coreografias com
músicas do grupo mineiro Uakti e
do multiinstrumentista pernambucano Antúlio Madureira.
O fenômeno começou a ficar visível no ano passado, quando, no
Mundial de esportes aquáticos de
Perth (Austrália), o conjunto brasileiro se apresentou ao som de berimbaus e de uma música do grupo de
heavy metal Sepultura com a participação de índios xavantes.
Os exemplos refletem uma tendência crescente nos últimos anos
no nado sincronizado brasileiro.
Não faz muito tempo, era comum
ver as equipes do país desenvolvendo seus trabalhos ao som de música
clássica ou "temas universais".
Em um Mundial da Juventude realizado há dois anos, a seleção juvenil
brasileira se apresentou embalada
pelo tema musical de Batman.
Nas provas de dueto (que reúne
duas nadadoras, com duração de
2min30s a 4min) e por equipe (de
quatro a oito atletas, com duração de
3min a 5min), as duas que constam
no programa das Olimpíadas, a escolha da música é fundamental para
a apresentação. Todos os movimentos têm que estar de acordo com o
tema musical selecionado -para isso são instaladas caixas de som subaquáticas nas piscinas.
Uma das principais responsáveis
por tal transformação conceitual é a
ex-nadadora sincronizada Andrea
Curi, 28, técnica do dueto medalhista e da delegação brasileira.
"Sempre houve no Brasil uma ânsia em copiar as coreografias dos
EUA. Achei que devíamos buscar o
nosso caminho, mas diversificando,
mostrando não somente samba e
batucada", afirma Andrea.
A diretora técnica da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos
Aquáticos), Sônia Hercowitz, endossa o pensamento.
"Está se criando uma nova escola,
que pretende mostrar a cara do
país", analisa Sônia. Ela explica que
as apresentações do nado sincronizado são julgadas levando em conta
os critérios de mérito técnico e impressão artística. "Como temos ritmos que encantam todo mundo, temos que aproveitá-los como diferencial na impressão artística."
Se depender de Carolina e Isabela,
que sempre escolhem com Andrea
os temas das coreografias, a "brasileirização" só tende a aumentar.
"O Brasil possui a melhor cultura
musical do mundo. Temos que levar
isso para a piscina. Os EUA e o Canadá, por exemplo, não têm o que
mostrar, então fazem temas fortes
ou exóticos, como um relógio ou
animais", afirma Carolina.
A equipe canadense medalha de
ouro no Pan mostrou uma coreografia que representava um relógio.
Rússia e Japão (duas das maiores
potências mundiais no esporte, junto com França, EUA e Canadá), além
da Espanha, são alguns países que
costumam utilizar temas de suas
próprias culturas nas coreografias.
"A gente está decidida que é isso
que queremos, mostrar a nossa
cultura. E isso ajuda até a criar
umas coreografias mais legais, feitas com mais gosto",
reforça Isabela.
Ambas adoram dançar
forró e têm a MPB como
estilo musical preferido. E
Esther Williams, a diva
dos musicais aquáticos de Hollywood nos anos 40, espécie de precursora do nado sincronizado? "Sabemos que ela ajudou a desenvolver
o esporte, mas não nos
influenciou em
nada. Nunca
vimos um filme dela", diz
Isabela.
A exaltação à
cultura nacional não foi suficiente,
porém, para manter as gêmeas no
Brasil. Sem apoio (jamais tiveram
patrocínio) e com infra-estrutura limitada, se mudaram no ano passado
para Ohio (EUA), onde estudam e
treinam, recebendo uma bolsa da
universidade do Estado. "A gente
acha até meio triste ter de deixar o
país. Mas veio de lá (dos EUA) o
apoio que nunca tivemos aqui."
O amor à cultura brasileira tampouco vai aumentar, segundo as
próprias atletas, as chances brasileiras na Copa Fina e na Olimpíada de
Sydney -para a qual têm boas
chances de classificação (irão à Austrália 24 duetos e 9 conjuntos).
"Estamos evoluindo, mas nossas
chances de medalha ainda são nulas.
O Brasil não tem tradição, somos
pouco conhecidas e há preconceito",
afirmam as gêmeas.
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