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FUTEBOL
Novo técnico da seleção defende antecessor, diz que sonegação é problema comum e que quer preservar sua família
Ormuzd Alves - 25.out.00/Folha Imagem
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Leão em ação pelo Sport, na última quarta, contra o Corinthians |
Leão até parece, mas não é Luxemburgo
DO ENVIADO ESPECIAL A RECIFE
Assim que seu nome foi confirmado como novo técnico da seleção, Leão começou a ser comparado com Wanderley Luxemburgo, seu antecessor que foi demitido após uma campanha decepcionante nas eliminatórias, uma
derrota vexatória na Olimpíada e
uma série de acusações, entre as
quais sonegação de impostos e
falsidade ideológica -uso de documentos com idade adulterada.
Os dois são vaidosos -Leão,
por exemplo, pinta o cabelo desde
os 26 anos-, gostam de usar terno e gravata durante os jogos e
têm fama de arrogantes, autoritários e prepotentes.
Mas as semelhanças param por
aí. Quando comparado a Luxemburgo, profissional que faz questão de defender, há, entre os dois,
muito mais diferenças do que se
possa imaginar à primeira vista.
Até em relação ao uso de terno e
gravata. Se para Luxemburgo era
obrigatório, para Leão, não. No
Nordeste, por exemplo, não dá
para "morrer de calor". Leão, ao
contrário de Luxemburgo, que estreou dirigindo a seleção em São
Luís, sob um calor de quase 40
graus, usando terno e gravata, coloca camisa social quando dirige o
Sport em Recife "e olhe lá".
Também deixa claro que não
sabe dançar nem é chegado a um
pagode, como seu antecessor.
Mesmo assim, em Recife, onde
está comandando o Sport, time
no qual iniciou sua carreira de
treinador, em 1987, Leão é apontado, seja pelos funcionários do
hotel em que está morando, pelos
taxistas que o levam ao aeroporto,
pelos repórteres que cobrem o
dia-a-dia do clube ou pelos torcedores que vão lhe pedir autógrafos, como uma pessoa afável. Reservada, mas afável.
E é exatamente assim que o técnico se vê. "Sou autêntico, falo o
que penso e, por isso, às vezes,
passo uma imagem diferente,
nem tão positiva...", comentou,
referindo-se às pessoas que o
acham arrogante ou prepotente.
A arrogância ou prepotência
pode ser uma visão distorcida de
umas das principais qualidades
que ele considera ter: a segurança.
"Sei o que quero e tenho personalidade. Sou bem resolvido no
futebol e fora dele. Mas são dois
campos diferentes. Minha vida
como técnico é uma coisa, minha
vida familiar é outra completamente diferente. A primeira é pública, a segunda não é nem vai
ser", declarou.
Mesmo ciente do que aconteceu
com Luxemburgo, que teve a vida
virada de ponta cabeça depois
que se tornou técnico da seleção,
Leão não teme que o mesmo
aconteça com ele.
"Não tenho receio, mas gostaria
de aproveitar, como técnico da seleção, para defender o Wanderley.
Não provaram nada, nada, nada
contra ele. Só a coisa da sonegação, que é um problema que
acontece com todo mundo. Todo
cidadão brasileiro que ganha alguma coisa tem esse problema,
em maior ou menor escala", disse
o ex-goleiro, que já foi garoto-propaganda do "Leão" da Receita
Federal devido ao sobrenome.
Leia, a seguir, algumas das opiniões do novo treinador da seleção.
(JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO)
Folha - Na segunda-feira (amanhã) você vai anunciar o restante
da nova comissão técnica e convocar atletas para o jogo contra a Colômbia. Haverá surpresas?
Emerson Leão - Uma ou outra
sim, mas serão poucas. Digamos
que haverá pequenas novidades,
mas a base será a mesma. Não é
hora de ficar fazendo testes. O
Candinho foi muito feliz contra a
Venezuela. Como não tinha tempo para treinar, pegou a base do
Vasco. Os jogadores já estavam
entrosados e se saíram bem. Como se trata de um jogo só, vou fazer alguma coisa parecida. Para o
ano que vem, aí sim, vamos fazer
algumas experiências buscando
uma melhor formação.
Folha - O Luxemburgo reapareceu dizendo que um dia vai voltar à
seleção. Mas, como ele não se saiu
bem na primeira experiência, foi
criticado e dificilmente será uma
sombra para seu trabalho. É assim
que você vê a situação?
Leão - Não. Vocês podem não
acreditar, mas nunca os principais técnicos do Brasil se deram
tão bem como agora. Quando era
o Wanderley quem dirigia a seleção, nós conversávamos bastante.
Agora nada vai mudar, só os papéis que se inverteram. Eu estou lá
dentro, e ele, fora. E vai me ajudar
como eu o ajudei antes.
Folha - Com o Candinho você já
conversou...
Leão - Porque somos muito
amigos desde os tempos de Palmeiras, em 1968. Falamos de tudo, seleção, praia, família, amigos,
menos Sport e Corinthians.
Folha - E o que ele te disse sobre a
seleção?
Leão - Que as pessoas que estão
na CBF são as melhores possíveis.
Desde o presidente até os diretores, o apoio sempre foi total.
Folha - E a Nike?
Leão - Interferência zero no trabalho deles. Nunca se meteram
em nenhuma questão do time.
Folha - Assim que você foi confirmado para o cargo, apareceram as
primeiras críticas. O Sócrates, por
exemplo, chegou a dizer que a ditadura voltou. Você ficou magoado?
Leão - Não. Se a democracia no
futebol funcionasse, todo mundo
iria implantar o modelo. Hoje ele
não está no topo, eu estou na seleção, até entendo o porquê das críticas... Tudo bem.
Folha - E a pressão pelo Romário?
Com o Antônio Lopes, ele será mesmo o dono da seleção?
Leão - Não tem isso. É um grande jogador, um craque e que ainda por cima está em ótimo momento. Mas pressão por nomes é
uma coisa que faz parte. Aqui em
Pernambuco, também não param
de perguntar, só que não pelo Romário. Querem que eu leve o Nildo (meia do Sport), o Bosco (goleiro do Sport)... Tem um fotógrafo, que a gente chama de "paparazzi", que assessora o Russo (lateral do time) e não pára de perguntar se não vou convocá-lo.
Folha - Dois assuntos que surgiram após sua ida à seleção foram a
sociedade que você tem com a família do Farah (Eduardo José, presidente da Federação Paulista) numa fazenda e sua recusa em fazer o
teste de paternidade de um filho
de 12 anos de uma empresária pernambucana. Essa pressão não te
assusta? Digo pela sua família, pois
você é uma pessoa pública, mas
sua mulher e suas filhas, não.
Leão - É chato e por parte de vocês (jornalistas) sai tudo, todos os
dias. Infelizmente, a imprensa age
mal no Brasil. Ela condena antecipadamente, muitas vezes sem direito de defesa, não prova nada e
no dia que você começa a mostrar
que era inocente, aí o assunto
morreu, não interessa mais. É
muito errado. É um trator que
passa em cima da gente sem que
sejamos culpados. Foi assim com
o Wanderley, não tenha dúvida.
Folha - Você viu o programa "Cartão Verde" (da TV Cultura) em que
o Luxemburgo se defendeu contra
as acusações da Renata Alves?
Leão - Vi o finalzinho. Ela não
provou nada, falou de envolvimento dele com empresários, ganho com a venda e compra de jogadores, mas sem apresentar prova alguma. O Wanderley a desafiou e nada. A única coisa foi a do
Imposto de Renda, mas isso o
próprio Wanderley já falou que
paga, só está discutindo o valor. E
aí é aquela história do quem nunca fez nadinha de errado que atire
a primeira pedra.
Folha - E sua família?
Leão - Fica à margem da minha
vida profissional. Aqui em Recife
eu moro em hotel (Atlante, na
praia da Boa Viagem). Minha
mulher (Evani) mora em São
Paulo, minhas filhas (Camila e
Amanda) também não estão comigo, têm a vida delas. São interessadas na minha carreira, mas
apenas porque eu sou o marido e
o pai delas. Elas, como eu, não
têm clube. Hoje, claro, querem
que o Sport vá bem. Mas ficam lá,
e eu, aqui, trabalhando.
Folha - O assédio sobre elas já começou?
Leão - Elas nunca vão a treinos,
não me acompanham no futebol.
Só à distância. Por isso ficam à
margem. Não se trata nem de machismo, é que a profissão é a profissão, a família é a família.
Folha - Mas o Wanderley às vezes
levava as filhas... Uma delas até namora o Fabiano (do São Paulo).
Leão - É questão de personalidade, de estilo. O Wanderley é de
um jeito, eu sou de outro. Uma revista famosa quer fotografar minha família, mostrar minha casa,
minha intimidade... Eu não quero
essa invasão. Sou técnico de futebol. Só. Empregado de clube e
agora da CBF. Cada um tem seu
espaço, mas tem que ser naquilo
que faz. No meu caso, no futebol.
Folha - Você já tem experiência
de seleção. Esteve na Copa em 70,
74, 78 e 86. Nada mais nada menos
do que quatro Mundiais. Será importante essa sua experiência para
o trabalho como técnico?
Leão - Não é a mesma coisa.
Uma coisa é ir para a seleção como jogador, outra é ir como técnico. É lógico que o fato de eu já conhecer o ambiente, o que sente
um jogador numa Copa, a importância de vestir a camisa amarela,
tudo isso conta muito. Mas, como
treinador, certamente a experiência será diferente. E é só vivendo
para sentir. Agora eu saí de cena,
não sou mais ator, digamos assim. Como técnico, vou ajudar o
time a construir cenas legais.
Folha - Você vai ter que mudar
seu estilo?
Leão - Não, mudar não vou. O
que tenho que fazer é moldar minha personalidade para o cargo.
Folha - Como?
Leão - É só no dia-a-dia que eu
vou sentir e ainda mais a partir do
ano que vem, quando vou dedicar
tempo integral à seleção. Mas eu
vou precisar, isso percebi logo de
cara, ter mais paciência com as
pessoas, com os jornalistas... Vai
ser um aprendizado.
Folha - E você já mudou alguma
coisa nesses primeiros dias?
Leão - Não, sou a mesma pessoa,
tenho os mesmos amigos, a mesma vontade de trabalhar, a mesma obsessão pelas coisas bem feitas... O interessante é que quem
muda é o outro. São os outros que
vêem você de um jeito diferente,
só porque virou técnico da seleção. Mas eu me vejo do mesmo
jeito, e é isso o que vale.
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