São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2000

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FUTEBOL

Um papo sobre o futebol

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Na semana passada, após 30 anos, bati um longo papo com Carlos Alberto Parreira. Em 1970, ele era auxiliar da preparação física da seleção brasileira e observador de Zagallo.
Parreira assistiu à partida semifinal da Itália contra a Alemanha e fotografou todos os detalhes do jogo. Depois, participou ativamente da preleção antes da partida final. Relatou e mostrou como era a marcação individual dos italianos, o posicionamento do líbero e outros detalhes.
Daí, decidiu-se que eu jogaria junto ao líbero, evitando que ele saísse na cobertura dos outros zagueiros. Jairzinho levaria seu marcador Fachetti para o meio, e o lateral Carlos Alberto aproveitaria esse espaço.
O quarto gol do Brasil foi a fotografia desse planejamento. Nada funcionaria se Pelé não tivesse a sabedoria de esperar uma fração de segundo para empurrar levemente a bola para o Carlos Alberto finalizar.
Apresentei-me à seleção atrasado, por causa da cirurgia no olho. Fiz treinamentos especiais e somente próximo à Copa entrei no ritmo da turma. Nessa preparação isolada, Parreira foi meu companheiro e instrutor. Treinávamos e conversávamos. Hoje, diriam que era meu "personal trainer". Chique, não?
Trinta anos depois, continuamos o papo. Parreira ainda é o mesmo: estudioso e apaixonado pela ciência do futebol.
Concordamos e discordamos de muitas coisas. Por exemplo: o técnico prefere que sua equipe se posicione defensivamente, feche os espaços, como em 70 e em 94, para depois desarmar o adversário.
Hoje, prefiro a marcação por pressão em todas as partes do campo. Pelo menos durante uma parte do jogo. Sei que é impossível fazer isso durante toda a partida. Se não participarem todos, abrem-se grandes espaços na defesa.
Parreira me deu várias publicações escritas por ele e por treinadores e estudiosos de todo o mundo. Estou lendo, aprendendo e me deliciando, principalmente com a história e a evolução do futebol.
Aos poucos, passarei algumas informações e opiniões aos leitores. Já deu para perceber que o futebol começou com o goleiro e dez no ataque. Aí, apareceram os técnicos estudiosos e viraram a prancheta de cabeça para baixo.
Há alguns anos, a maioria das equipes recuava com os dez jogadores para seu campo. Uma esperava a outra para utilizar o contra-ataque. Como ninguém arriscava, quase nada acontecia.
O futebol ficou horrível e improdutivo. Daí, a vitória passou a valer três pontos. Foi a salvação. Os times passaram a avançar e a pressionar.
Ainda não deu para colocar os dez no ataque, como no início, mas, pelo menos, uns sete, como faz a seleção argentina.
Na conversa com Parreira e pelas estatísticas dos livros, aprendi que quando a bola está em movimento o gol nasce, especialmente porque o adversário não pressiona o jogador que está com a bola. Isso reforça minha preferência pela marcação por pressão.
Aprendi também que quase 40% dos gols saem de bolas paradas. Fiquei assustado. Entendi porque os técnicos brasileiros treinam tanto essa jogada. Só pensam nisso! Pelo menos estão lendo, o que é muito importante.
O futebol brasileiro está imitando o antigo futebol inglês. Cruzam a bola na área, cabeceiam ou atrapalham o goleiro, e a bola espirra para alguém fazer o gol. Isso os britânicos chamam de pequeno gol. Pequeno e feio. Deveria valer metade.
Meu lado racional e pragmático chegou à triste e verdadeira conclusão de que bom cruzador e cabeceador são, frequentemente, mais eficientes do que dois habilidosos e criativos atacantes.
Por outro lado, minha porção lúdica, estética, sonhadora e de cronista esportivo diz que vale muito mais um belíssimo gol, de dribles, passes e tabelas, do que dois de bolas cruzadas.
Por causa dessa dualidade, os comentaristas e técnicos não se afinam. Os treinadores só pensam em vencer. De qualquer maneira. O compromisso do crítico não é com a vitória e sim com o talento, com a ética e com beleza do futebol. As duas visões são necessárias.
Os torcedores, principalmente os do Atlético-MG, estão se perguntando de que adianta o Parreira ter tanto conhecimento teórico se não deu jeito no time.
Nem sempre quem sabe a teoria faz, mas, quem não sabe, nunca faz.
Na média das atuações em sua carreira, Parreira teve mais acertos do que erros. Mostrou que, além de teórico, sabe ser prático.
Além disso, em todas as profissões -e no futebol- existem dezenas de fatores envolvidos no resultado final. O técnico é um deles. Não devemos supervalorizá-lo na vitória nem na derrota.
Um técnico não pode ser mais importante do que os 11 jogadores. Nem do que um craque.


E-mail tostao.folha@uol.com.br


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