São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 2001

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FUTEBOL

Um outro 1994

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Foi debaixo de absoluto descrédito que a seleção brasileira embarcou para disputar a Copa dos Estados Unidos em 1994.
Pesava a lembrança do fracasso do Mundial anterior, quando Sebastião Lazaroni montou um time cheio de zagueiros e armandinhos.
Para piorar, a CBF escolhera para técnico o defensivo Carlos Alberto Parreira.
Só parentes e políticos estavam no aeroporto para desejar boa sorte aos atletas.
Até o presidente Fernando Collor se comprometeu a ir saudá-los, mas se esqueceu que tinha que ir ao batizado da menina Bernélia, filha de sua ministra Zélia e do deputado Bernardo Cabral. Zico, o ministro dos Esportes, não podia faltar, e lá também estava PC Farias, o ministro da Justiça.
Mas o discurso foi feito mesmo pelo ministro da Cultura, Antonio Rogério Magri, que falou assim: "Vamos lá seus filhos de uma p... do car...! Vamos mostrar que o nosso povo é f...! Vamos botar no c... daqueles gringos de m...! Todo mundo comigo: P... que p..., viva o Brasil!".
Por sorte, nossos primeiros adversários foram fracos e conseguimos abrir boa vantagem.
Raí era o grande maestro da seleção. Jogando melhor do que nunca, ele dava shows a cada partida. É bem verdade que à frente Romário perdia gols atrás de gols, mas, para nossa sorte, Zinho estava impossível, atacando verticalmente, dando dribles inesquecíveis e fazendo gols atrás de gols.
Para animar a seleção, cada jogador recebeu um telegrama da adida cultural em Los Angeles: "Forca, Brazil! PT Saudações. Miriam Cordeiro".
Vieram novos oponentes, e o Brasil foi melhorando. Caíram os Estados Unidos, em pleno 4 de julho, e a Holanda de Koeman e Bergkamp.
A seleção brasileira estava cada vez mais entrosada e, na semifinal contra a Suécia, teve paciência para superar uma marcação duríssima, que fechava todos os espaços por onde nossa equipe pudesse penetrar.
No fim, 1 a 0 com um gol de cabeça do atacante Viola, que havia substituído Romário.
No mesmo dia em que uma creche fantasma de Canapi-AL recebia uma verba de US$ 150 milhões, 150 milhões de brasileiros viam o Brasil entrar em campo para fazer a final da Copa dos Estados Unidos contra a Itália. Sim a Itália, a terrível esquadra azzurra que nos vencera naquela dolorosa decisão no estádio Azteca, no México, em 1970.
Um sentimento de vingança tomava conta de nossa seleção. No vestiário, os jogadores fizeram um comovente pacto pela vitória. Naturalmente os italianos também devem ter feito um igual no vestiário deles, mas isso não vem ao caso.
O que vem ao caso é que o Brasil fez uma partida esplêndida e encurralou os carcamanos em seu campo.
Foram chutes, tabelas, triangulações, cruzamentos, cabeçadas, faltas, escanteios e o que mais se puder imaginar num bombardeio sem tréguas, com o detalhe de que o gol teimava em não sair.
Logo acabou o primeiro tempo, veio a segunda etapa, entrou-se na prorrogação, saiu-se dela e nada: o placar, indiferente, continuava naquele incômodo 0 a 0.
Veio então a temida decisão por pênaltis.
O Brasil bateu toda a sua série e converteu quatro gols, já que o goleiro Pagliuca defendeu a cobrança de Márcio Santos.
A Itália, por sua vez, tinha aproveitado todas as suas quatro cobranças e, se convertesse também a última, levaria o título do Mundial.
Toda a responsabilidade estava nos pés de Roberto Baggio. Enquanto corria para a bola, ele pensou naquele jogo da Copa de 1982 em que a sensacional Itália de Dino Zoff, Antonioni, Tardelli, Bruno Conti e Paolo Rossi perdeu de 3 a 2 para o Brasil.
Sim, naquela tarde em que Serginho Chulapa marcou três gols e nos classificou para a fase seguinte. Sim, naquela Copa em que só não fomos campeões porque Karl Rummenigge acabou com nossos sonhos na final.
Baggio sabia que era a sua chance de vingar Sarriá e bateu firme no canto.
Quem não ficou com os olhos inchados naquele dia?
Quem não se emocionou ao ver Taffarel pulando para um lado, e a bola, lentamente, indo para o outro, aninhando-se placidamente no fundo da rede brasileira?
Galvão Bueno lamuriava-se: "Acabou..., acabou..." e chorava abraçado a Pelé e Arnaldo César Coelho. Paciência.
Agora era esperar por 1998.

E-mail: torero@uol.com.br

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