|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FUTEBOL
Um outro 1994
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Foi debaixo de absoluto
descrédito que a seleção
brasileira embarcou para disputar a Copa dos Estados Unidos
em 1994.
Pesava a lembrança do fracasso do Mundial anterior, quando
Sebastião Lazaroni montou um
time cheio de zagueiros e armandinhos.
Para piorar, a CBF escolhera
para técnico o defensivo Carlos
Alberto Parreira.
Só parentes e políticos estavam no aeroporto para desejar
boa sorte aos atletas.
Até o presidente Fernando
Collor se comprometeu a ir saudá-los, mas se esqueceu que tinha que ir ao batizado da menina Bernélia, filha de sua ministra Zélia e do deputado Bernardo Cabral. Zico, o ministro dos
Esportes, não podia faltar, e lá
também estava PC Farias, o ministro da Justiça.
Mas o discurso foi feito mesmo
pelo ministro da Cultura, Antonio Rogério Magri, que falou assim: "Vamos lá seus filhos de
uma p... do car...! Vamos mostrar que o nosso povo é f...! Vamos botar no c... daqueles gringos de m...! Todo mundo comigo: P... que p..., viva o Brasil!".
Por sorte, nossos primeiros adversários foram fracos e conseguimos abrir boa vantagem.
Raí era o grande maestro da
seleção. Jogando melhor do que
nunca, ele dava shows a cada
partida. É bem verdade que à
frente Romário perdia gols atrás
de gols, mas, para nossa sorte,
Zinho estava impossível, atacando verticalmente, dando dribles inesquecíveis e fazendo gols
atrás de gols.
Para animar a seleção, cada
jogador recebeu um telegrama
da adida cultural em Los Angeles: "Forca, Brazil! PT Saudações. Miriam Cordeiro".
Vieram novos oponentes, e o
Brasil foi melhorando. Caíram
os Estados Unidos, em pleno 4
de julho, e a Holanda de Koeman e Bergkamp.
A seleção brasileira estava cada vez mais entrosada e, na semifinal contra a Suécia, teve paciência para superar uma marcação duríssima, que fechava
todos os espaços por onde nossa
equipe pudesse penetrar.
No fim, 1 a 0 com um gol de cabeça do atacante Viola, que havia substituído Romário.
No mesmo dia em que uma
creche fantasma de Canapi-AL
recebia uma verba de US$ 150
milhões, 150 milhões de brasileiros viam o Brasil entrar em
campo para fazer a final da Copa dos Estados Unidos contra a
Itália. Sim a Itália, a terrível esquadra azzurra que nos vencera
naquela dolorosa decisão no estádio Azteca, no México, em
1970.
Um sentimento de vingança
tomava conta de nossa seleção.
No vestiário, os jogadores fizeram um comovente pacto pela
vitória. Naturalmente os italianos também devem ter feito um
igual no vestiário deles, mas isso
não vem ao caso.
O que vem ao caso é que o
Brasil fez uma partida esplêndida e encurralou os carcamanos
em seu campo.
Foram chutes, tabelas, triangulações, cruzamentos, cabeçadas, faltas, escanteios e o que
mais se puder imaginar num
bombardeio sem tréguas, com o
detalhe de que o gol teimava em
não sair.
Logo acabou o primeiro tempo, veio a segunda etapa, entrou-se na prorrogação, saiu-se
dela e nada: o placar, indiferente, continuava naquele incômodo 0 a 0.
Veio então a temida decisão
por pênaltis.
O Brasil bateu toda a sua série
e converteu quatro gols, já que o
goleiro Pagliuca defendeu a cobrança de Márcio Santos.
A Itália, por sua vez, tinha
aproveitado todas as suas quatro cobranças e, se convertesse
também a última, levaria o título do Mundial.
Toda a responsabilidade estava nos pés de Roberto Baggio.
Enquanto corria para a bola, ele
pensou naquele jogo da Copa de
1982 em que a sensacional Itália
de Dino Zoff, Antonioni, Tardelli, Bruno Conti e Paolo Rossi
perdeu de 3 a 2 para o Brasil.
Sim, naquela tarde em que
Serginho Chulapa marcou três
gols e nos classificou para a fase
seguinte. Sim, naquela Copa em
que só não fomos campeões porque Karl Rummenigge acabou
com nossos sonhos na final.
Baggio sabia que era a sua
chance de vingar Sarriá e bateu
firme no canto.
Quem não ficou com os olhos
inchados naquele dia?
Quem não se emocionou ao
ver Taffarel pulando para um
lado, e a bola, lentamente, indo
para o outro, aninhando-se placidamente no fundo da rede
brasileira?
Galvão Bueno lamuriava-se:
"Acabou..., acabou..." e chorava
abraçado a Pelé e Arnaldo César Coelho. Paciência.
Agora era esperar por 1998.
E-mail: torero@uol.com.br
Texto Anterior: Dívida emperra transação de Caio Próximo Texto: Dia-a-dia dos clubes Índice
|