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ATLETISMO
Morre João do Pulo com infecção generalizada
da Reportagem Local
Morreu ontem o ex-recordista
mundial do salto triplo João Carlos
de Oliveira, o João do Pulo, às 22h,
em São Paulo.
O ex-atleta estava internado havia um mês no hospital Beneficência Portuguesa, com broncopneumonia e hepatite C, causada por
uma cirrose.
Nascido em Pindamonhangaba
(SP), João do Pulo havia completado 45 anos anteontem. A equipe
médica responsável por seu tratamento apontou falência de múltipolos órgãos, causada pela cirrose
e por uma infecção generalizada.
O corpo do ex-atleta será velado
hoje na Assembléia Legislativa de
São Paulo e será enterrado em sua
cidade natal.
Nos últimos dias, estava sofrendo sangramento pela boca e vias
aéreas e digestivas. Respirava por
meio de aparelho, respondia apenas a estímulos dolorosos, e a pressão sanguínea era mantida por
meio de drogas.
O atleta João Carlos de Oliveira, o
João do Pulo, deteve por dez anos o
recorde mundial do salto triplo
-de 1975 a 1985.
Além de bater o recorde, ele venceu três vezes a prova na Copa do
Mundo de atletismo.
Nascido em uma família pobre
em Pindamonhangaba (SP), em 28
de maio de 1954, João do Pulo teve
alimentação deficiente na infância
e foi vítima de tuberculose aos 5
anos de idade.
Solidão
Os últimos quatro anos de vida
de João do Pulo foram marcados
pelo distanciamento dos amigos e
pela ruína dos negócios e da vida
pessoal.
Morando sozinho, sua rotina se
resumia a caminhar para tomar
cerveja em um bar e a passar o resto do tempo trancado, quase sempre em jejum.
João do Pulo, que jamais se casou, morava sozinho. Da família,
tinha o pai e cinco irmãos ainda vivos -a mãe e dois outros irmãos
morreram.
Os vizinhos, amigos e familiares
confirmam que, desde dezembro,
vivia em reclusão, arredio, com
uma rotina autodestrutiva.
No ano passado, chegou até a ir
para a cadeia, após não conseguir
pagara pensão alimentícia de sua
filha, Thaís, de 11 anos.
As crises de depressão e de bebida acirraram-se depois de sua fracassada candidatura à Assembléia
Legislativa, a segunda consecutiva.
A casa, de cinco quartos, foi fechada. A garagem onde funcionou
sua falida transportadora e seu comitê de campanha, abandonada
com entulho eleitoral.
Além da derrota nas urnas, os vizinhos atribuem a depressão de
João do Pulo à desilusão com alguns amigos e sócios.
Sem trabalhar desde que deixou
a vida pública e vivendo da pensão
que recebia do Exército (cerca de
R$ 1.200,00) como sargento aposentado, João do Pulo morava sozinho. Sem poder pagar o salário,
dispensou a empregada.
Por causa de um negócio com
uma padaria malsucedido, perdeu
os três carros. Atrasou a pensão da
filha e chegou a ser detido.
PARTE 2
A biografia esportiva
ALESSANDRA KORMANN
do Banco de Dados
Menino franzino, preparava-se o
ano inteiro para tocar bumbo no
bloco "Charles Anjo 45", que saía
às ruas de sua cidade durante o
Carnaval. Como a maioria dos garotos brasileiros, seu esporte preferido era o futebol.
Aos 17 anos, já com 1,89 m de altura, começou a treinar vôlei e basquete. Até que, em 1972, o professor de educação física José Roberto
Vasconcelos, reparando no seu
biótipo e excelente condicionamento físico, o incentivou a se especializar nos saltos em distância e
triplo. Ele iniciou então sua carreira no atletismo, iniciando seus
treinamentos em Cruzeiro (SP).
Convocado pelo serviço militar,
mudou-se para São Paulo. Na capital, disputou sua primeira competição, os Jogos Regionais de São
Paulo, obtendo a medalha de ouro
ao fazer 14,06 m no salto triplo.
Enquanto treinava no Esporte
Clube Pinheiros, prosseguia na
carreira militar, que lhe garantia a
sobrevivência e os estudos. Chegaria a sargento do Exército.
Seu primeiro resultado internacional de destaque foi a vitória na
prova de salto triplo do Campeonato Sul-Americano Juvenil, em
1973, no Paraguai, com a marca de
14,75 m.
No ano seguinte, no Sul-Americano do Chile, João estreou na categoria dos adultos, saltando 16,34
m, o que lhe valeu a medalha de
ouro e o troféu de melhor atleta da
competição.
A ascensão na carreira o levou ao
técnico Pedro Henrique Camargo
de Toledo, o Pedrão, que o acompanharia dali em diante.
Foi sob sua supervisão que, nos
Jogos Pan-Americanos de 1975, no
México, João do Pulo obteve seu
maior feito: a quebra do recorde
mundial no salto triplo, ao fazer
17,89 m (45 centímetros a mais do
que a marca anterior).
Seu índice só seria superado em
1985 pelo norte-americano Willie
Banks, que fez 17,97 m (o atual detentor do recorde é o britânico Jonathan Edwards, com 18,29 m).
No Pan-Americano de 1975, João
do Pulo conquistou também a medalha de ouro no salto em distância, com 8,19 m.
No ano seguinte, na Olimpíada
de Montreal, chegou como favorito absoluto para a conquista da
medalha de ouro. Mas, com a marca de 16,34 m, ficou com a medalha
de bronze.
Em 1977, ficou com a medalha de
ouro no salto triplo na Copa do
Mundo de atletismo.
Naquela época, ainda não existia
o Campeonato Mundial de Atletismo. Assim, a Copa do Mundo era a
competição de maior importância
no atletismo depois da Olimpíada.
Dois anos depois, repetiu os feitos que conseguira no Pan-Americano e na Copa do Mundo.
Ficou com ouro no salto triplo e
no salto em distância nos Jogos de
1979, além de obter o primeiro lugar no salto triplo na Copa do
Mundo do mesmo ano.
As conquistas o fizeram chegar
novamente à Olimpíada de Moscou de 1980 como favorito.
Em plena Guerra Fria, os Jogos
daquele ano foram marcados pelo
boicote dos Estados Unidos e por
falhas de arbitragem, sempre a favor dos atletas do bloco soviético.
Na prova do salto triplo, foi anulada de forma suspeita a marca
com que João do Pulo poderia ter
vencido a prova e batido o recorde
mundial. As medalhas de ouro e
prata foram para dois atletas da
então União Soviética, e João do
Pulo ficou novamente com a medalha de bronze.
Foi a sua maior frustração.
"Nunca havia chorado por derrotas, mas naquela tarde chorei. A
festa acabou para mim, ali na
areia", disse.
Doze anos mais tarde, João do
Pulo tentaria recuperar a medalha
que, segundo ele, teria sido "roubada" e pertenceria a ele e ao povo
brasileiro. O atleta afirmou ter sido
procurado por Harry Seinberg,
técnico do campeão de 1980, Jaak
Uudmae, que teria confirmado a
fraude e pedido desculpas a ele.
De fato, ele recebeu de Uudmae
uma medalha em sua homenagem.
Mas Seinberg desmentiu o encontro com João do Pulo.
Em 1981, o brasileiro conquistou
sua terceira medalha de ouro na
Copa do Mundo, novamente na
prova do salto triplo.
Em sua última competição, o
Sul-Americano de Atletismo na
Bolívia, ficou com a medalha de
ouro, saltando 17,05 m.
Nesse ano, no dia 22 de dezembro, sofreu um acidente na rodovia
Anhanguera que lhe custaria a amputação de sua perna direita no
ano seguinte.
João do Pulo voltava de Campinas depois de ser paraninfo de uma
turma de educação física, quando
seu carro se chocou de frente com
outro que vinha na contramão.
O motorista do outro carro morreu na hora, e João do Pulo, em coma, foi levado para o hospital, onde passaria os nove meses seguintes, lutando a princípio para salvar
a vida e depois para recuperar a
parte inferior de sua perna direita,
totalmente dilacerada.
Em setembro de 1982, depois de
23 cirurgias, 16 somente na perna,
quando não havia mais nada a fazer, o atleta teve de amputar a perna direita. O caso gerou comoção
nacional.
João do Pulo recebeu muitas
condecorações, entre elas a Ordem
do Rio Branco e as medalhas do
Pacificador e do Mérito Militar.
Em 1986, foi eleito deputado estadual de São Paulo pelo PFL, sendo reeleito em 1990. Em 1994 e em
1998, não conseguiu se reeleger.
Na época do acidente, sua carreira no atletismo foi dada por encerrada. Mas agora, devido ao aparecimento de modernas próteses, ele
se preparava para voltar a saltar na
Paraolimpíada (Olimpíada para
deficientes) de 2000, na Austrália.
"Ter a perna amputada para
muitos jovens pode ser a morte.
Mas espero que com esforço, dedicação e muito trabalho possa voltar às competições e provar do que
somos capazes. Não nasci para
perder."
²
Com a Reportagem Local
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