São Paulo, domingo, 30 de maio de 1999

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ATLETISMO
Morre João do Pulo com infecção generalizada

da Reportagem Local

Morreu ontem o ex-recordista mundial do salto triplo João Carlos de Oliveira, o João do Pulo, às 22h, em São Paulo. O ex-atleta estava internado havia um mês no hospital Beneficência Portuguesa, com broncopneumonia e hepatite C, causada por uma cirrose. Nascido em Pindamonhangaba (SP), João do Pulo havia completado 45 anos anteontem. A equipe médica responsável por seu tratamento apontou falência de múltipolos órgãos, causada pela cirrose e por uma infecção generalizada. O corpo do ex-atleta será velado hoje na Assembléia Legislativa de São Paulo e será enterrado em sua cidade natal. Nos últimos dias, estava sofrendo sangramento pela boca e vias aéreas e digestivas. Respirava por meio de aparelho, respondia apenas a estímulos dolorosos, e a pressão sanguínea era mantida por meio de drogas. O atleta João Carlos de Oliveira, o João do Pulo, deteve por dez anos o recorde mundial do salto triplo -de 1975 a 1985. Além de bater o recorde, ele venceu três vezes a prova na Copa do Mundo de atletismo. Nascido em uma família pobre em Pindamonhangaba (SP), em 28 de maio de 1954, João do Pulo teve alimentação deficiente na infância e foi vítima de tuberculose aos 5 anos de idade. Solidão
Os últimos quatro anos de vida de João do Pulo foram marcados pelo distanciamento dos amigos e pela ruína dos negócios e da vida pessoal. Morando sozinho, sua rotina se resumia a caminhar para tomar cerveja em um bar e a passar o resto do tempo trancado, quase sempre em jejum. João do Pulo, que jamais se casou, morava sozinho. Da família, tinha o pai e cinco irmãos ainda vivos -a mãe e dois outros irmãos morreram. Os vizinhos, amigos e familiares confirmam que, desde dezembro, vivia em reclusão, arredio, com uma rotina autodestrutiva. No ano passado, chegou até a ir para a cadeia, após não conseguir pagara pensão alimentícia de sua filha, Thaís, de 11 anos. As crises de depressão e de bebida acirraram-se depois de sua fracassada candidatura à Assembléia Legislativa, a segunda consecutiva. A casa, de cinco quartos, foi fechada. A garagem onde funcionou sua falida transportadora e seu comitê de campanha, abandonada com entulho eleitoral. Além da derrota nas urnas, os vizinhos atribuem a depressão de João do Pulo à desilusão com alguns amigos e sócios. Sem trabalhar desde que deixou a vida pública e vivendo da pensão que recebia do Exército (cerca de R$ 1.200,00) como sargento aposentado, João do Pulo morava sozinho. Sem poder pagar o salário, dispensou a empregada. Por causa de um negócio com uma padaria malsucedido, perdeu os três carros. Atrasou a pensão da filha e chegou a ser detido.

PARTE 2

A biografia esportiva

ALESSANDRA KORMANN
do Banco de Dados

Menino franzino, preparava-se o ano inteiro para tocar bumbo no bloco "Charles Anjo 45", que saía às ruas de sua cidade durante o Carnaval. Como a maioria dos garotos brasileiros, seu esporte preferido era o futebol.
Aos 17 anos, já com 1,89 m de altura, começou a treinar vôlei e basquete. Até que, em 1972, o professor de educação física José Roberto Vasconcelos, reparando no seu biótipo e excelente condicionamento físico, o incentivou a se especializar nos saltos em distância e triplo. Ele iniciou então sua carreira no atletismo, iniciando seus treinamentos em Cruzeiro (SP).
Convocado pelo serviço militar, mudou-se para São Paulo. Na capital, disputou sua primeira competição, os Jogos Regionais de São Paulo, obtendo a medalha de ouro ao fazer 14,06 m no salto triplo.
Enquanto treinava no Esporte Clube Pinheiros, prosseguia na carreira militar, que lhe garantia a sobrevivência e os estudos. Chegaria a sargento do Exército.
Seu primeiro resultado internacional de destaque foi a vitória na prova de salto triplo do Campeonato Sul-Americano Juvenil, em 1973, no Paraguai, com a marca de 14,75 m.
No ano seguinte, no Sul-Americano do Chile, João estreou na categoria dos adultos, saltando 16,34 m, o que lhe valeu a medalha de ouro e o troféu de melhor atleta da competição.
A ascensão na carreira o levou ao técnico Pedro Henrique Camargo de Toledo, o Pedrão, que o acompanharia dali em diante.
Foi sob sua supervisão que, nos Jogos Pan-Americanos de 1975, no México, João do Pulo obteve seu maior feito: a quebra do recorde mundial no salto triplo, ao fazer 17,89 m (45 centímetros a mais do que a marca anterior).
Seu índice só seria superado em 1985 pelo norte-americano Willie Banks, que fez 17,97 m (o atual detentor do recorde é o britânico Jonathan Edwards, com 18,29 m).
No Pan-Americano de 1975, João do Pulo conquistou também a medalha de ouro no salto em distância, com 8,19 m.
No ano seguinte, na Olimpíada de Montreal, chegou como favorito absoluto para a conquista da medalha de ouro. Mas, com a marca de 16,34 m, ficou com a medalha de bronze.
Em 1977, ficou com a medalha de ouro no salto triplo na Copa do Mundo de atletismo.
Naquela época, ainda não existia o Campeonato Mundial de Atletismo. Assim, a Copa do Mundo era a competição de maior importância no atletismo depois da Olimpíada.
Dois anos depois, repetiu os feitos que conseguira no Pan-Americano e na Copa do Mundo.
Ficou com ouro no salto triplo e no salto em distância nos Jogos de 1979, além de obter o primeiro lugar no salto triplo na Copa do Mundo do mesmo ano.
As conquistas o fizeram chegar novamente à Olimpíada de Moscou de 1980 como favorito.
Em plena Guerra Fria, os Jogos daquele ano foram marcados pelo boicote dos Estados Unidos e por falhas de arbitragem, sempre a favor dos atletas do bloco soviético.
Na prova do salto triplo, foi anulada de forma suspeita a marca com que João do Pulo poderia ter vencido a prova e batido o recorde mundial. As medalhas de ouro e prata foram para dois atletas da então União Soviética, e João do Pulo ficou novamente com a medalha de bronze.
Foi a sua maior frustração. "Nunca havia chorado por derrotas, mas naquela tarde chorei. A festa acabou para mim, ali na areia", disse.
Doze anos mais tarde, João do Pulo tentaria recuperar a medalha que, segundo ele, teria sido "roubada" e pertenceria a ele e ao povo brasileiro. O atleta afirmou ter sido procurado por Harry Seinberg, técnico do campeão de 1980, Jaak Uudmae, que teria confirmado a fraude e pedido desculpas a ele.
De fato, ele recebeu de Uudmae uma medalha em sua homenagem. Mas Seinberg desmentiu o encontro com João do Pulo.
Em 1981, o brasileiro conquistou sua terceira medalha de ouro na Copa do Mundo, novamente na prova do salto triplo.
Em sua última competição, o Sul-Americano de Atletismo na Bolívia, ficou com a medalha de ouro, saltando 17,05 m.
Nesse ano, no dia 22 de dezembro, sofreu um acidente na rodovia Anhanguera que lhe custaria a amputação de sua perna direita no ano seguinte.
João do Pulo voltava de Campinas depois de ser paraninfo de uma turma de educação física, quando seu carro se chocou de frente com outro que vinha na contramão.
O motorista do outro carro morreu na hora, e João do Pulo, em coma, foi levado para o hospital, onde passaria os nove meses seguintes, lutando a princípio para salvar a vida e depois para recuperar a parte inferior de sua perna direita, totalmente dilacerada.
Em setembro de 1982, depois de 23 cirurgias, 16 somente na perna, quando não havia mais nada a fazer, o atleta teve de amputar a perna direita. O caso gerou comoção nacional.
João do Pulo recebeu muitas condecorações, entre elas a Ordem do Rio Branco e as medalhas do Pacificador e do Mérito Militar.
Em 1986, foi eleito deputado estadual de São Paulo pelo PFL, sendo reeleito em 1990. Em 1994 e em 1998, não conseguiu se reeleger.
Na época do acidente, sua carreira no atletismo foi dada por encerrada. Mas agora, devido ao aparecimento de modernas próteses, ele se preparava para voltar a saltar na Paraolimpíada (Olimpíada para deficientes) de 2000, na Austrália.
"Ter a perna amputada para muitos jovens pode ser a morte. Mas espero que com esforço, dedicação e muito trabalho possa voltar às competições e provar do que somos capazes. Não nasci para perder."
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Com a Reportagem Local


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