São Paulo, quinta, 30 de outubro de 1997.



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Paulista-98 pode consolidar sistema de castas

JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha

O patrocinador do Campeonato Paulista de 98, o Grupo Vale Refeição, diz que vai tratar o torcedor como cliente.
Nem precisa tanto. Já haverá um grande avanço se o torcedor for tratado como gente, isto é, se ficar livre das filas sob sol ou sob chuva, apertos desumanos e desconfortos de toda ordem que sofre hoje em dia.
Há algumas novidades dignas de debate no projeto do Campeonato Paulista-98.
Uma delas é o fato de os chamados quatro clubes grandes -Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo- terem o privilégio de só entrar na segunda fase da competição.
Esse tipo de distinção, conferida "a priori", tende a consolidar um intolerável sistema de castas entre as agremiações.
Claro que, em favor da racionalização dos campeonatos, pode e deve haver gradações entre os clubes. O sistema de divisões está aí para isso.
Só que a permanência de um time numa determinada divisão depende de seu desempenho na competição, ainda que às vezes ocorram excrescências, como a manutenção de Fluminense e Bragantino na Série A do Campeonato Brasileiro deste ano.
Se quando a regra é justa ocorrem barbaridades como essa, imagine o que pode acontecer quando já se parte de uma regra injusta.
Mutatis mutandis, é como se a Fifa decidisse que, a partir de agora, Brasil, Alemanha, Itália e Argentina têm lugar vitalício na fase final da Copa do Mundo, sendo dispensados de disputar eliminatórias.
Uma política desse tipo tende a esvaziar a competitividade e incentivar o comodismo.
Do mesmo modo, a atribuição de cotas drasticamente diferenciadas para os clubes mandantes de jogos (R$ 500 mil para os "grandes", R$ 100 mil para os "pequenos", se entendi bem) parece confirmar a "política social" da elite brasileira: que os ricos fiquem mais ricos, e os pobres, mais pobres.
O raciocínio deveria ser inverso. Se a intenção é manter competitivo o campeonato estadual, os clubes do interior devem ter chance de se capitalizar e, sobretudo, o direito de disputar de igual para igual com os "grandes".
Tal como está sendo esboçado o novo Campeonato Paulista, parece que a disputa "pra valer" é entre quatro clubes, e os outros entram como coadjuvantes, como os garotos fraquinhos ou mancos que eram "café-com-leite" nos jogos de infância.
Uma pergunta acessória: até quando a Lusa -que tem matado um leão por dia nos últimos anos- vai ser excluída da confraria dos grandes?

Por falar em Lusa, é preocupante o fato de o clube abrir mão de jogar uma partida em seu estádio para cedê-lo a um culto religioso.
A cidade de São Paulo já perdeu vários de seus mais tradicionais cinemas para as seitas evangélicas. Será que agora vai perder também os seus estádios esportivos?
Nada contra as religiões e os cultos, por mais boçais que às vezes eles sejam. O problema é a ocupação de um espaço de cultura e lazer -destinado, pelo menos em princípio, ao cultivo da convivência democrática entre os diferentes- por uma tendência unívoca e, quase sempre, totalitária.


Matinas Suzuki Jr., que escreve nesta coluna às terças, quintas e sábados, está em férias



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