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FUTEBOL
Maior contrato do esporte brasileiro com uma multinacional impede a seleção de escolher seus adversários
Contrato dá à Nike poder sobre a CBF
JUCA KFOURI
Colunista da Folha
A Confederação Brasileira de Futebol cedeu parte de seu controle
sobre a seleção brasileira ao assinar contrato com a Nike em 1996.
Pelo instrumento, a principal
equipe de futebol do mundo não
pode mais escolher seus adversários apenas de acordo com o planejamento da comissão técnica.
A Folha obteve uma cópia em
português do maior contrato de
patrocínio da história do esporte
brasileiro (leia texto ao lado).
Pelo item 8.4 do acordo, a Nike
vai escolher o adversário do Brasil
em 50 amistosos ao longo dos dez
anos de parceria. A CBF só tem poder real sobre a data dos jogos, não
sobre os oponentes.
Esse é apenas um dos pontos do
contrato de dez anos entre a entidade dirigente do futebol no país e
a maior empresa de material esportivo do mundo, que vai vigorar
até o final de 2006, ano em que o
Brasil pretende organizar pela segunda vez uma Copa do Mundo.
Segundo o mesmo item, a seleção
terá que fazer em 1999 pelo menos
cinco amistosos organizados pela
patrocinadora, pois no ano passado realizou apenas três (Alemanha, Athletic Bilbao e Equador).
Está determinado ainda que nos
jogos organizados pela Nike terão
de estar presentes oito titulares.
Ou seja, nos amistosos "técnicos", (diferentemente dos da Nike,
que são "promocionais"), em que
poderá escolher o adversário da
seleção, o técnico Wanderley Luxemburgo não deverá ter em campo seus principais jogadores.
Segundo regulamentação da Fifa, as seleções só podem requisitar
atletas que atuam no exterior em
cinco amistosos por ano.
Além disso, como a seleção principal, pelo contrato, terá de atuar
nesses jogos, a preparação da seleção pré-olímpica corre o risco de
ser comprometida.
Mais: nos amistosos da Nike, a
CBF não recebe um centavo e ainda tem de pagar as diárias dos jogadores e da comissão técnica.
Mas a maior ingerência da empresa está nos jogos que ela não organiza. Pelo contrato, a CBF concorda em não disputar amistosos
na Europa, nos EUA, no Japão e na
Coréia do Sul caso a Nike "pretenda marcar" no respectivo local um
de seus amistosos daquele ano.
Por exemplo, a seleção teria que
deixar de enfrentar a Alemanha
em fevereiro caso a Nike planejasse um amistoso contra esse país no
final daquele ano.
Diferentemente do que alardeou
seu presidente, Ricardo Teixeira,
ao anunciar a assinatura do contrato no final de 1996, a CBF não irá
receber US$ 220 milhões pelos dez
anos de parceria. O total é de US$
170 milhões mais o fornecimento
de material esportivo e o pagamento de parte das despesas com
transporte e hospedagem.
Desses US$ 170 milhões, US$ 10
milhões foram para a Umbro, cujo
contrato com a CBF foi rompido
para a entrada da Nike.
Para se chegar aos US$ 220 milhões citados por Teixeira, é preciso adicionar US$ 43 milhões que só
serão pagos à CBF se ela renovar o
contrato. E esse valor nem ao menos serve como luva para a renovação. É, isso sim, um valor mínimo
que a entidade receberia por mais
quatro anos de parceria.
Outro ponto que não existe no
contrato é o de que a Nike bancaria
a construção da nova sede da CBF,
como Teixeira sempre anunciou.
A sede e até mesmo sua localização, na Barra da Tijuca, estão previstas, mas a única obrigação da
empresa é "ajudar no projeto". Em
contrapartida, os direitos dela vão
de um escritório no interior na sede até uma loja na saída do futuro
museu da CBF, colocada de tal maneira que os visitantes sejam obrigados a atravessá-la.
Um dos pontos obscuros do
acordo Nike-CBF é o quanto recebe a empresa de marketing esportivo Traffic, qualificada como "titular de certas marcas registradas e
outros direitos de propriedade
pertencentes à CBF".
O texto especifica apenas que isso é assunto entre a CBF e a Traffic,
cujo dono oficial é J. Hawilla e cujo
sócio oculto, segundo o vice de futebol do Vasco, Eurico Miranda,
seria o próprio Teixeira.
Outras cláusulas do contrato deixam a CBF com pouco poder para
buscar novos patrocinadores.
Se por acaso quiser arrumar um
substituto para a Coca-Cola, terá
de dar preferência para a Nike e, se
essa recusar, terá de apresentar o
novo parceiro no mínimo um ano
antes do final do contrato com o
patrocinador.
Se um dia quiser se livrar da Nike, vai ser muito mais difícil. Primeiro, só pode começar a procurar
um novo parceiro se a Nike recusar
seu pedido mínimo. Segundo, isso
só pode acontecer no último ano
de contrato.
Por último, a CBF não pode assinar com nenhum outro fornecedor por um valor que a Nike esteja
disposta a pagar, mesmo que espere o final do contrato.
Colaboraram
MARCELO DAMATO e ROBERTO
DIAS, da Reportagem Local
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