São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 1999

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FUTEBOL
Maior contrato do esporte brasileiro com uma multinacional impede a seleção de escolher seus adversários
Contrato dá à Nike poder sobre a CBF

JUCA KFOURI
Colunista da Folha

A Confederação Brasileira de Futebol cedeu parte de seu controle sobre a seleção brasileira ao assinar contrato com a Nike em 1996.
Pelo instrumento, a principal equipe de futebol do mundo não pode mais escolher seus adversários apenas de acordo com o planejamento da comissão técnica.
A Folha obteve uma cópia em português do maior contrato de patrocínio da história do esporte brasileiro (leia texto ao lado).
Pelo item 8.4 do acordo, a Nike vai escolher o adversário do Brasil em 50 amistosos ao longo dos dez anos de parceria. A CBF só tem poder real sobre a data dos jogos, não sobre os oponentes.
Esse é apenas um dos pontos do contrato de dez anos entre a entidade dirigente do futebol no país e a maior empresa de material esportivo do mundo, que vai vigorar até o final de 2006, ano em que o Brasil pretende organizar pela segunda vez uma Copa do Mundo.
Segundo o mesmo item, a seleção terá que fazer em 1999 pelo menos cinco amistosos organizados pela patrocinadora, pois no ano passado realizou apenas três (Alemanha, Athletic Bilbao e Equador).
Está determinado ainda que nos jogos organizados pela Nike terão de estar presentes oito titulares.
Ou seja, nos amistosos "técnicos", (diferentemente dos da Nike, que são "promocionais"), em que poderá escolher o adversário da seleção, o técnico Wanderley Luxemburgo não deverá ter em campo seus principais jogadores.
Segundo regulamentação da Fifa, as seleções só podem requisitar atletas que atuam no exterior em cinco amistosos por ano.
Além disso, como a seleção principal, pelo contrato, terá de atuar nesses jogos, a preparação da seleção pré-olímpica corre o risco de ser comprometida.
Mais: nos amistosos da Nike, a CBF não recebe um centavo e ainda tem de pagar as diárias dos jogadores e da comissão técnica.
Mas a maior ingerência da empresa está nos jogos que ela não organiza. Pelo contrato, a CBF concorda em não disputar amistosos na Europa, nos EUA, no Japão e na Coréia do Sul caso a Nike "pretenda marcar" no respectivo local um de seus amistosos daquele ano.
Por exemplo, a seleção teria que deixar de enfrentar a Alemanha em fevereiro caso a Nike planejasse um amistoso contra esse país no final daquele ano.
Diferentemente do que alardeou seu presidente, Ricardo Teixeira, ao anunciar a assinatura do contrato no final de 1996, a CBF não irá receber US$ 220 milhões pelos dez anos de parceria. O total é de US$ 170 milhões mais o fornecimento de material esportivo e o pagamento de parte das despesas com transporte e hospedagem.
Desses US$ 170 milhões, US$ 10 milhões foram para a Umbro, cujo contrato com a CBF foi rompido para a entrada da Nike.
Para se chegar aos US$ 220 milhões citados por Teixeira, é preciso adicionar US$ 43 milhões que só serão pagos à CBF se ela renovar o contrato. E esse valor nem ao menos serve como luva para a renovação. É, isso sim, um valor mínimo que a entidade receberia por mais quatro anos de parceria.
Outro ponto que não existe no contrato é o de que a Nike bancaria a construção da nova sede da CBF, como Teixeira sempre anunciou.
A sede e até mesmo sua localização, na Barra da Tijuca, estão previstas, mas a única obrigação da empresa é "ajudar no projeto". Em contrapartida, os direitos dela vão de um escritório no interior na sede até uma loja na saída do futuro museu da CBF, colocada de tal maneira que os visitantes sejam obrigados a atravessá-la.
Um dos pontos obscuros do acordo Nike-CBF é o quanto recebe a empresa de marketing esportivo Traffic, qualificada como "titular de certas marcas registradas e outros direitos de propriedade pertencentes à CBF".
O texto especifica apenas que isso é assunto entre a CBF e a Traffic, cujo dono oficial é J. Hawilla e cujo sócio oculto, segundo o vice de futebol do Vasco, Eurico Miranda, seria o próprio Teixeira.
Outras cláusulas do contrato deixam a CBF com pouco poder para buscar novos patrocinadores.
Se por acaso quiser arrumar um substituto para a Coca-Cola, terá de dar preferência para a Nike e, se essa recusar, terá de apresentar o novo parceiro no mínimo um ano antes do final do contrato com o patrocinador.
Se um dia quiser se livrar da Nike, vai ser muito mais difícil. Primeiro, só pode começar a procurar um novo parceiro se a Nike recusar seu pedido mínimo. Segundo, isso só pode acontecer no último ano de contrato.
Por último, a CBF não pode assinar com nenhum outro fornecedor por um valor que a Nike esteja disposta a pagar, mesmo que espere o final do contrato.


Colaboraram MARCELO DAMATO e ROBERTO DIAS, da Reportagem Local


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