São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 2002

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GRUPO C/ ONTEM

Didática de técnico consiste em usar e abusar de estilo que o consagrou nos clubes

Grito, puxão de orelha, careta e ironia; é o treino de Scolari

FÁBIO VICTOR
FERNANDO MELLO
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
SÉRGIO RANGEL
ENVIADOS ESPECIAIS A ULSAN

A placidez do fim de tarde oriental é quebrada por um grito: "Central, zagueiro, central!". Os coreanos, que à beira do gramado acompanham o treino da seleção brasileira, se entreolham com pequeno sorriso preso nos lábios.
Pouco depois, um novo berro, desta vez impregnado de forte sotaque gaúcho: "Se tu não correr, não vai alcançar a bola nunca. Vai". Luiz Felipe Scolari, o autor da gritaria, é tão delicado ao dirigir um treino do time nacional na Coréia do Sul quanto um elefante em uma loja de cristais.
O técnico do Brasil mantém no comando da seleção, a três dias da estréia na Copa, o estilo que o consagrou nos clubes pelos quais passou, repleto de gritos, puxões de orelha, caretas e muita ironia.
Scolari é detalhista no comando do treino, chega a ser exaustivo. Pára as jogadas, repete uma, duas, três, quatro vezes, sem se importar com a cara feia dos atletas. "Vamos lá, sem moleza, tem que fazer de novo", afirma ele.
Com diploma de educação física, Scolari é um dos poucos técnicos que podem, literalmente, ser chamados de professor. Sua didática é, no mínimo, antiquada. Ele explica uma vez, o jogador abaixa a cabeça e tenta fazer como o técnico pediu. Se errar de novo, não tem segunda chance, é bronca.
Foi o que aconteceu com Roberto Carlos, um dos astros do time, quando o técnico ensaiava jogadas de cobrança de lateral. O aluno, no entanto, mandava a bola sempre no mesmo lugar. Scolari pediu que ele mudasse, não foi atendido. Aí, disparou: "Vai, joga aqui de novo. O Dida [goleiro reserva" já está esperando. Só ele e o goleiro da Turquia sabem que você vai mandar essa bola aqui".
O treinador dita as regras até nos intervalos para a sagrada água dos atletas. Quem não está com sede tem que beber do mesmo jeito. "É uma coisa científica", berra para o grupo na tentativa de justificar a imposição.
Vez ou outra, quando não consegue se controlar, o técnico explode em um palavrão, como na última terça-feira, quando chegou a ser repreendido por um membro da comissão técnica.
Os atletas dizem que já aprenderam a trabalhar com Scolari e seu jeito durão. "É uma pessoa com quem eu me adaptei a trabalhar. O cara que não faz nada errado não vai ter problema em trabalhar com ele", afirmou Luizão.
"Cada um tem uma forma de assimilar os métodos do treinador. Acho que a gente tem sempre que olhar essas broncas como incentivo", disse Gilberto Silva, um dos mais novos do time. "Ele é carismático", completa.
Scolari também faz troça. Ao ver Roberto Carlos dizendo que pode chegar com facilidade a uma bola lançada na esquerda, diz: "Tu pega uma ova".
E dá aulas a Lúcio sobre o posicionamento no momento em que o adversário cobra escanteios. O ex-zagueiro do Caxias e de outros clubes pequenos do futebol brasileiro não titubeia ao proferir suas lições ao zagueiro do Bayer Leverkusen (Alemanha), um dos mais festejados da Europa.
Em seu passado de jogador, Scolari ficou conhecido como "roscão" porque só acertava a bola com efeito. Contudo ele parece não se importar, e os craques da seleção têm que ouvir calados seus ensinamentos.
A noite cai em Ulsan, o treino segue, e com ele a gritaria. "Ronaldo, vai para a ponta quando o Rivaldo cair pelo meio, porra!" O jogador da Inter de Milão concorda com a cabeça.
De repente, a voz de Scolari é ofuscada. Todos olham assustados. Não, ninguém gritou mais alto que ele, foi só um forte trovão que ribombou no céu.



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