São Paulo, sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

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XICO SÁ

Striptease moral


Na pelada, um homem conhece ou acerta a conta com outro, esteja ou não este no mesmo time


AMIGO TORCEDOR, amigo secador, um homem só conhece outro homem depois que joga uma pelada, um baba, um racha -cada região do país tem um batismo-, depois que bate uma bola com o semelhante. A pelada é o único e possível striptease moral do macho.
É nessa hora que a gente sabe e manja sobre as coincidências e as dessemelhanças de estar vivo e pastando na mesma burrice da existência. Não importa a barriga nem o fôlego, jogue nem que seja por cinco minutos com os seus párias nestas férias.
De preferência com família ou amigos. Aí você saberá a verdade bíblica. Olha que não estou nem aí para essa complexidade shakespeareana de que falava o tio Nelson Rodrigues. É veadagem demais para o meu gosto, teatro, puro teatro, estou fora.
Falo de tirar faísca da canela do cunhado do qual você ouvira coisas -andou maltratando tua irmã querida por besteira ou por orgulho. A pelada é o faroeste sem morte, mas com sinceras mensagens de honra. Os mesmos torpedos da várzea, onde é permitido humilhar no drible ou na canelada. Futebol é recado, dramaturgia, quem quiser que acredite na mentira tática, esse vício, esse crack mortal dos novos comentaristas.
Agora mesmo estava em Juazeiro do Norte, onde mora "mi madre", e, pasme, nas resenhas só havia uma discussão sobre o Guarani e o Icasa, os dois times da cidade: 4-4-2 ou 3-5-2, como atuarão no próximo certame?
Eis o fetiche. Falou qualquer troço de estatística vira um ilusionista, seja na Champions League seja no meu amado inferno semiárido.
Ah, um homem só conhece outro homem depois que joga uma pelada contra ou na sua fileira. Por sorte, no primeiro embate deste veraneio, contei com o francês Jean-Pierre Duret no meu time. Um goleiro-líbero capaz de todos os milagres de Cícero, de Fátima e do menino Jesus de Praga juntos.
Nunca imaginei que este grande cabra do cinema europeu pudesse me deixar tão à vontade para atuar de beque-sentado no crepúsculo do Eudorão, arena suspensa nos alpes do Caldas, Barbalha, um Cariri a 18º, como não me deixa mentir o escriba Joca R. Terron, fora daquele jogo por caprichos do destino ludopédico.
Quando pensar em grandes goleiros da história, listarei Rodolfo Rodriguez (Santos) e Jean-Pierre. Era só uma pelada, mas quem há de negar que foram as mais lindas defesas que vi no retrovisor de um zagueiro que mira as próprias desgraças?


xico.folha@uol.com.br

@xicosa


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