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Os caipiras eletrônicos de Manchester
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha
"Era janeiro em 1963/ E Johnny
chegou em casa/ Com um presente para mim." São os primeiros
versos de "1963", música não
muito conhecida do New Order,
quatro ingleses pelo menos 20
anos à frente do seu tempo.
"Feliz Ano Novo!", diz, sem
muito ânimo, aquele quarentão
loiro com jeito de moleque, camisa azul-clara para fora da calça e
barriga saliente. Ele é Bernard
Sumner, ex-Bernard Albrecht,
cantor e guitarrista do New Order, o homem que teve a colossal
responsabilidade de levar à frente
uma banda que se chamava Joy
Division e chegou à beira do abismo com o suicídio por enforcamento de seu líder, Ian Curtis, em
1980.
Estamos no Alexandra Palace,
que é o que o nome indica, um palácio gigantesco na periferia norte
de Londres. Supershow de Ano
Novo, madrugada de 31 de dezembro de 1998 para 1º de janeiro
de 1999, e as atrações parecem
saídas de um sonho: o Lionrock
traz de Manchester sua eletrônica
festeira, o venerado Underworld
("lager, lager, lager") apresenta
finalmente as músicas do novo
disco, os gurus digitais do Chemical Brothers fazem uma rara
apresentação como DJs.
Mas o grande nome da noite
acaba sendo o veteraníssimo New
Order. Os quatro (Sumner mais
Peter Hook no baixo, Gillian Gilbert nos teclados e Stephen Morris na bateria) tocam afiados, parecem estar ensaiando juntos, obsessivamente, há meses.
Abrem o show com a emocionante "Ceremony" ("Os céus sabem que tem de ser desta vez!"),
tocam todos os clássicos, dão
uma colher para o inútil Bez (figura lendária do rock britânico
que ficava só dançando no palco
nos Happy Mondays), brindam o
público com versão inesquecível
de "Love Will Tear Us Apart", dos
tempos de Joy Division, clássico
insuperável do pós-punk.
Não é preciso ser uma enciclopédia ambulante de pop para saber que a música eletrônica de
hoje deve tudo e mais um pouco
ao New Order.
"1963", como tantas canções
deles, tem aquela capacidade fugaz de parecer o som mais urgente possível para uma época. Aquilo que nos faz ouvir só três acordes e dizer, satisfeitos: "É isso!".
E "1963" não é tudo. O New Order tem uma quantidade única de
singles que marcaram seu tempo.
"Blue Monday", "Temptation",
"Thieves Like Us", "True Faith",
"Bizarre Love Triangle", "Perfect
Kiss"... A lista é longa.
Tudo isso feito por quatro caipiras da industrial Manchester, três
moleques e uma menina que só
tinham em comum um passado
lúgubre e extensas coleções de
discos. Não sabiam que estavam
mudando o mundo, mas foi exatamente isso o que fizeram.
Claro que boa parte do material
do New Order soa datado, mas
unicamente por questões técnicas, não estéticas. É que a música
eletrônica depende fundamentalmente de equipamentos, e tudo
isso avançou muito de dez anos
para cá. Mas, como canções pop,
continuam insuperáveis.
"1963" é também o ano em que
nasci. E o "presente" para Johnny
era um revólver cheio de balas.
Álvaro Pereira Júnior, 35, é chefe de Redação
do "Fantástico" em São Paulo
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