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São Paulo, segunda-feira, 01 de setembro de 2003

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CAPA

Uso de uma escrita alterada em blogs e em chats não preocupa educadores

LÍNGUA CIFRADA

Antônio Gaudério/Folha Imagem
A blogueira Erika de Oliveira com o computador mostrando o "template" do seu blog


RICARDO LISBÔA
DA REPORTAGEM LOCAL

Nem precisa ser poliglota para falar várias línguas. Só com o português já dá para se comunicar de um monte de jeitos diferentes. Afinal, o modo como a gente fala com pessoas da família já é diferente daquele que se usa com um desconhecido na rua ou com o diretor do colégio.
Para escrever é a mesma coisa. Só que, em tempos de internet, isso radicalizou. "Engolir" algumas letras, pontuação, acentuação gráfica e colocar vogais de acordo com a entonação que se quer dar à palavra ficou muuuuito comum. No princípio, era por conta do programa mIRC, que permitia o bate-papo bem antes de os chats se espalharem pela internet. A falta de acentos e a agilidade da conversa produziu, a partir dali, uma série de alterações na linguagem usada na rede.
Mas isso não corre o risco de virar linguagem "oficial"? O jeito de descobrir foi perguntar como seus usuários escrevem quando estão na escola, que tem outras regras.
"Escrever desse jeito é mais fácil e rápido. Também temos preguiça de escrever direito", defende Erika de Oliveira, 15, que mantém há seis meses o blog sweetdreamsalone.weblogger.com.br, com todos os "mt", "qq" e "naum" a que tem direito.
Ela diz que também usa essa linguagem em mensagens automáticas pela internet e em salas de bate-papo, mas, em trabalhos escolares, nunca. "Não escrevi assim na escola, mas, se tivesse escrito, acho que os professores não iriam gostar muito", brinca ela.
Carla Minamihara, 16, também defende a agilidade e a rapidez da escrita "mircada". "Quando teclamos do jeito informal, não esquentamos a cabeça com normas gramaticais, acentos etc. A linguagem "mircada" acabou se tornando universal. Falando de um jeito ou de outro, seremos entendidos. Mas é claro que, para cada situação, há uma linguagem diferente."
Dona do blog nkcarlinha.weblogger.com.br, Carla se sente à vontade para usar "emoticons" (as carinhas feitas com sinais gráficos, como : ( e : ]) dentro de seus textos "bloguísticos". "Às vezes, ficamos sem palavras e, para expressar o que sentimos ou até mesmo para não deixar o assunto morrer, as carinhas são bem úteis."
Pela força do hábito, Carla revela que já escreveu alguns "pq" na escola, mas conseguiu se corrigir a tempo.
Como a maioria dos blogs tem a função de diário aberto, seus escritores, os blogueiros, colocam nele a linguagem mais informal possível, a que conversam com os seus amigos.
Erika, por exemplo, diz que criou seu blog para desabafar quando não tem amigos por perto e para expor suas idéias, opiniões e críticas. Já Carla assume que entrou nessa porque era uma grande moda no ano passado, quando ela começou, mas hoje serve para que as pessoas a conheçam melhor e para aqueles que estão longe ficarem sabendo o que se passa no cotidiano dela.
A professora de português do colégio Bandeirantes Lenira Buscato afirma que não é usual encontrar os termos típicos da internet em textos escolares. "Há uns três anos, era mais frequente encontrar um "naum" em prova, mas, atualmente, não. Basta uma conversa para que os alunos que ainda não sabem aprendam a discernir entre o que é produzido para a internet e o que é utilizado em sala de aula", diz.

Questão de moda
É certo que se leva um susto quando se vê pela primeira vez um texto escrito em bloguês. Por conta disso, há quem se canse da afetação de tanto "cumigu" para cá e "bjaum" para lá.
Já houve até campanha, promovida por blogs que utilizam um português mais formal, contra a linguagem "mircada". Sem precisar chegar a ser um "antibloguês", o estudante Guilherme Pastore, 13, acha que esse tipo de linguagem não passa de modismo. "Já escrevi daquele jeito; hoje, acho assassinato da língua portuguesa. Isso começa com uma idéia de digitar mais rápido, mas um vê o outro escrevendo daquele jeito e acaba virando uma questão de moda", considera.
Guilherme, que já desenvolveu vários sites, vai ainda mais fundo em sua crítica: "O maior empobrecimento não é tirar ou trocar letras de uma palavra, o pior é o empobrecimento da estrutura do texto".
Seja moda, seja o começo de uma nova linguagem, o que importa é não misturar as coisas para não ter complicações na escola. Afinal, a língua escrita é bem mais lenta que a oral e, até que certeza apareça numa gramática como "ctza", vai demorar um bocado. "Fmz"?


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