São Paulo, segunda-feira, 05 de julho de 2004

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ALIMENTAÇÃO

Fast food faz bem ou mal? O McDonald's está no centro da discussão há 25 anos como mostra "Super Size Me", que estréia aqui em agosto

O homem que comeu 90 hambúrgueres

Associated Press
O diretor Morgan Spurlock em frente a cartaz do filme


SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Odeio muito tudo isso." A frase que enfeita a comunidade "Eu Odeio o McDonald's!" no Orkut e inverte o slogan brasileiro da rede de fast food norte-americana pode ser rábida, mas dá uma idéia do estado de espírito de parte dos jovens internautas em relação à marca de hambúrgueres e à fast food em geral.
Há 14 comunidades criadas exclusivamente para discutir a rede no ambiente de relações sócio-virtuais. Dessas, oito são francamente críticas e, entre essas, seis são majoritariamente brasileiras. O que se depreende dos depoimentos é que as restrições mais comuns são de naturezas distintas: nutricional e ideológica.
São os "verdes" e os "vermelhos".
No primeiro caso se encaixa o niteroiense Felipe Muller, 23, que trabalha numa agência de publicidade e mantém o blog Blog's Burger -que ele assim batizou por defender que os textos colocados nos diários virtuais, os "web logs", ou blogs, são a fast food da literatura, e não por apreciar a iguaria. "Não tenho nada ideologicamente contra eles, mas já fui gordo e sei que preciso comer alimentos saudáveis, que não encontro nos fast foods", disse ao Folhateen.
Eles não são necessariamente contra uma marca específica, e sim contra o tipo de comida oferecida. O estudante Rodolfo Freitas Ribeiro, 18, é vegetariano há um ano e meio. "Depois que comecei a praticar swasthya yôga, parei totalmente com esse tipo de alimentação, pois a carne deixa resíduo nos órgãos e atrapalha a técnica."
O produtor de moda Fernando Luís Cardoso, 20, só entra para comer em um restaurante de fast food "se for no desespero". Frituras, "só de ver" já passa mal. "A última vez que comi fast food, um misto-quente, foi há dois anos, quando visitava parentes em Avaré [interior de São Paulo]", contabiliza. "Hoje, tenho dificuldade na hora de escolher um restaurante para o almoço."
No escaninho da ideologia, está a estudante paulistana Clara Martins, 14: "Na época da Guerra do Iraque, eu não comia no McDonald's por ser contra a invasão norte-americana. Hoje, eu continuo não comendo por ser um símbolo do imperialismo dos Estados Unidos", disse.
A relação de amor e ódio com a rede de hambúrgueres no Brasil é quase tão velha quanto a primeira loja tupiniquim, inaugurada em Copacabana em 1979, seguida pelo primeiro posto na avenida Paulista, em São Paulo, mas foi reavivada recentemente pela Doutrina Bush, no campo ideológico, e por uma obra polêmica, o documentário "Super Size Me", na área de nutrição.
O filme ganhou o prêmio de melhor direção no último Festival de Sundance e estréia no Brasil em agosto, depois de ser exibido no Festival Internacional de Cinema de Brasília (FIC), com a presença do diretor, Morgan Spurlock. O norte-americano passou 30 dias se alimentando exclusivamente de alimentos vendidos pelo McDonald's, aceitando todas as vezes que lhe era oferecido o tamanho super (o "super size" do título, que por sua vez quer dizer "me aumente", não "eu gigante").
É um cacoete dos funcionários de lá, parecido com o "fritas acompanham o pedido?" do Brasil. Em quase todas as compras, alguém oferece: "Do you want to super size it"? (você quer aumentar o tamanho?). Nessa categoria, um Quarterão com Queijo duplo tem 280 g e responde por 56% de todo o colesterol, 75% do total de gordura geral e 100% do total de gordura saturada a ser consumida por uma pessoa num dia inteiro segundo os parâmetros de dieta saudável sugeridos pelo FDA, o órgão que controla alimentos e medicamentos nos EUA.
Pois o documentarista engordou, teve problemas no fígado, depressão e disfunção sexual, entre outros efeitos. Seu filme virou bandeira num país que sofre uma epidemia de obesidade, segundo o mesmo FDA, causada principalmente pela explosão do consumo de fast food entre jovens.
"Curto e grosso: comer nesse tipo de fast food todo dia ou freqüentemente faz mal", disse à Folha o médico Carlos Augusto Monteiro, professor titular do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP. "Equivale a comer uma feijoada: uma vez por mês, OK, mais que isso se torna prejudicial." (leia mais à pág. 8)
Já o caso ideológico é anterior e não diz respeito à qualidade do que oferecem as redes, mas ao que representam no imaginário coletivo, algo como se fosse a versão sólida da Coca-Cola ou a cozinha do Tio Sam. Vem da reação que o governo do presidente George W. Bush teve ao ataque terrorista de 11 de Setembro, explicitada na chamada Doutrina Bush, que defende ataques preventivos contra países potencialmente ameaçadores aos EUA ou que apóiem grupos terroristas e que resultou na Guerra do Afeganistão e na invasão do Iraque.
"Nós ainda não temos a real dimensão da perda de solidariedade, de simpatia que o "american way of life" tem sofrido desde o ataque terrorista de 11 de Setembro", disse Maria Aparecida de Aquino, professora de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP). "É avassaladora e muito rápida, principalmente no Brasil."
Para a acadêmica, o jovem repete chavões como "abaixo o imperialismo norte-americano" ou "fora com os ianques" um pouco por cópia, mas no fundo percebe que "um boicotezinho, por menor que seja", pode ser bem-vindo e fazer diferença no estado das coisas. "É até saudável", acredita.
No meio do caminho, estão os contemporizadores. Aí se encaixa o webmaster paulistano Roberto Nogueira, 21. "Adoro o Bob's, seus lanches com peru e frango", disse. "E vou ao McDonald's quando estou com amigos e todos resolvem comer lá, pela praticidade."
O fato é que, saudável ou não-saudável, símbolo do imperialismo ou não, no Brasil, só no ano passado, a rede teve 500 milhões de consumidores. Além disso, o McDonald's gera 66 mil empregos diretos e indiretos e, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas divulgado no mês passado, é a empresa que mais oferece a oportunidade do primeiro emprego -70% de seu quadro é formado por jovens em seu primeiro trabalho com carteira assinada.


Colaborou Leandro Fortino, da Reportagem Local


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