São Paulo, segunda-feira, 06 de fevereiro de 2006

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Álvaro Pereira Júnior

Estranho entre estranhos

Nada mais perturbador para ouvidos estrangeiros do que tentar entender que, nos anos 80/90, havia uma cena forte de pós-punk... no Brasil. Nada mais bizarro do que essas bandas virem quase todas de uma cidade, São Paulo, que, apesar de suas proporções gigantescas, é praticamente desconhecida no exterior.
Não é à toa que a coletânea de pós-punk paulista "The Sexual Life of the Savages", lançada na Inglaterra no ano passado, traz um encarte com explicações detalhadas sobre o contexto sóciopolítico-cultural brasileiro da época. É preciso ler aquelas linhas com atenção para, pelo menos, começar a entender a música de forte ironia, ultra-influenciada pelo rock inglês, produzida por bandas como Akira S e as Garotas que Erraram e Fellini.
Agora, imagine que, dentro desse contexto tão difícil para um estrangeiro apreender, haja um ponto ainda mais fora do gráfico. Uma banda não paulistana, mas de Santos, na costa do Atlântico, a 60 km da capital, que canta em inglês e não tem nada a ver com cena de rock uspiano que originou contemporâneos como Voluntários da Pátria e Mercenárias. Essa banda é o Harry, estranho entre estranhos. É do Harry a última faixa de "The Sexual Life of the Savages". E é do Harry a caixa recém-lançada "Taxidermy", três CDs remasterizados digitalmente que traçam um profundo raio-X dessa banda santista tão pouco brasileira.
O quarteto Harry (Hansen, Johnsson, César e Verta) fazia rock eletrônico. É deles meu verso preferido do rock brasileiro: "Radio waves are driving me insane" (as ondas de rádio estão me enlouquecendo), de "Lycanthropia" (1988).
Imagino o curto-circuito neuronal de um ouvinte estrangeiro tentando entender como uma banda do Brasil litorâneo podia fazer rock influenciado pela eletrônica proto-industrial de Chrome e Kraftwerk. Falar nas letras de morte, desesperança e depressão. E de compor num inglês correto.
Pesquisando na internet, encontrei um texto de um DJ australiano que tocou Harry em seu programa para provar a tese de que, muitas vezes, a localização geográfica de uma banda pouco ou nada influencia seu som.
Escrevo esta coluna escutando o já mencionado "Fairy Tales". Fico surpreso como essas canções envelheceram bem. Surpreenda-se você também: www.harrynet.com.br.

CD PLAYER

PLAY - "Taxidermy", Harry
Difícil imaginar que um som eletrônico feito há quase 20 anos ainda soe tão contemporâneo. A fonte: www.fiberrecords.com.br

PAUSE - Arctic Monkeys na KCRW
Veja e ouça a banda mais hypada da história da civilização cristã. Aí me conte se gostou: http://kcrw.com/smil/mb051118Arctic-Monkeys.ram.

EJECT - Seu Jorge no festival de Coachella
Quer dizer... esse "eject" deveria ser "play". "Play" para a esperteza desse cara, cujo único talento é saber se descolar.


@ - cby2k@uol.com.br

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