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CINEMA
Documentário usa o bisturi para revelar os mecanismos da sociedade de consumo
Nunca deixe de comprar
ALESSANDRA KORMANN
DA AGÊNCIA FOLHA
"Nós não podemos deixar que os terroristas atinjam o seu objetivo e que
as pessoas deixem de fazer negócios, deixem de comprar." A frase do presidente
dos EUA, George W. Bush, é martelada
repetidas vezes no documentário "Supérfluo" ("Surplus"), uma crítica contundente à sociedade de consumo do diretor sueco Erik Gandini, 35.
Para Gandini, a guerra contra o Iraque
foi motivada pela necessidade de incentivar o consumo dos norte-americanos,
cuja confiança foi abalada depois dos
atentados de 11 de setembro de 2001.
"Ele mostra a relação do comportamento consumista das pessoas com o
que está acontecendo hoje", diz a produtora do documentário, Kristina Aberg.
A degradação ambiental do planeta, o
vazio existencial e a coisificação do homem gerada pelo consumismo exacerbado fazem parte de "Supérfluo".
As câmeras passeiam, por exemplo,
por uma indústria que produz bonecas
de plástico para fins sexuais com tecnologia hollywoodiana, com direito a seios
de silicone dos mais variados tamanhos,
pela bagatela de US$ 6.000 a US$ 7.000.
"Supérfluo" faz parte da competição
oficial do 8º Festival Internacional de
Documentários É Tudo Verdade, que
começa hoje em São Paulo e também está sendo realizado no Rio.
Em 2001, Gandini conquistou o prêmio de melhor documentário internacional com "Sacrifício - Quem Traiu Che
Guevara?", co-dirigido por Tarik Saleh.
Cuba é tema recorrente nos filmes do
diretor sueco, que cresceu em um ambiente de esquerda na Itália dos anos 70.
Na semana passada, ele estava trabalhando em seu próximo documentário
na base norte-americana de Guantánamo, em Cuba, onde estão prisioneiros da
guerra do Afeganistão.
Em "Supérfluo", Fidel Castro surge em
um dos seus intermináveis discursos dizendo que "Cuba não incentiva o consumismo". São mostradas prateleiras vazias, uma velhinha exibindo sua ficha de
ração alimentar e a cubana Tania, que
conta seu deslumbramento em uma viagem à Europa, diante da abundância de
xampus e perfumes que viu nas lojas.
O contraponto é Svante, um jovem que
ganhou muito dinheiro com a indústria
da informação e não sabe o que fazer
com ele. Diverte-se com coisas simples.
O lugar em que ele está não é identificado. É um dos princípios de "The Surplus
Manifesto", conjunto de normas escrito
pelo diretor, que prega a manipulação de
sons e imagens e o abuso de tecnologia
para expressar as impressões que a realidade provoca, e não como ela é de fato.
A idéia é se opor ao "Dogma 95", conjunto de regras de cineastas dinamarqueses que propõe um cinema feito com
com câmera na mão, luz natural e nenhuma interferência tecnológica.
"Supérfluo" tem ritmo frenético e estética de videoclipe: a mesma linguagem
publicitária que o documentário critica
por meio das palavras do cientista político John Zerzan, um dos inspiradores do
movimento antiglobalização.
O documentário foca os protestos durante a reunião do G-8 em Gênova, em
julho de 2001, quando o ativista Carlo
Giuliani foi morto pela polícia.
Imagens da morte, quebradeira. O filme procura destrinchar por que o consumismo provoca tanta ira nos jovens e
por que a riqueza do Ocidente não é capaz de produzir felicidade. E por que,
desde 1999 em Seattle, cada vez mais milhares de pessoas vão às ruas para protestar contra a globalização capitalista, sinalizando o possível fim de uma era.
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