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comportamento
BRASIL ame-o ou ame-o
Quando o assunto é arte, muitos adolescentes não abrem
mão do produto nacional; saiba por que eles preferem a
música, o cinema, a literatura e até a culinária nacionais
Rodrigo Paiva/Folha Imagem
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Bianca Borgianni, 14, e Anita Ayres, 15, amam Maria Rita e Chico Buarque e detestam o pop americano, "feito só para ganhar dinheiro" |
LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Eles não estão nem aí
para o último hype
da parada inglesa
nem para a mais nova sensação de
Hollywood.
Seja por uma identificação
maior com os temas, seja pela
facilidade de entender as mensagens ou simplesmente por
afinidade, muitos jovens não
abrem mão do produto nacional quando assunto é cultura.
E não são apenas o samba ou
a bossa nova, criações tipicamente brasileiras, que agradam
esses adolescentes. O rock e o
cinema nacionais também são
motivo de orgulho.
O estudante de biologia Cassio Mochi Júnior, 20, é um
exemplo. Fã de hardcore -uma
dissidência do punk rock surgida em Washington (EUA), nos
final dos anos 70- ele só curte
bandas nacionais.
Entre as favoritas estão Dead
Fish, Aditive e Sugar Kane, que,
apesar dos nomes em inglês,
são todas brasileiras e cantam
em português.
"Essas bandas têm letras
muito boas, de crítica social.
Elas falam sobre coisas do Brasil, que fazem muito mais sentido pra mim", afirma Júnior.
Quando começou a curtir esse tipo de som, ele quis conhecer as bandas americanas que
influenciaram o trabalho de
seus artistas preferidos. "Algumas eu escutei, mas o som não
me agradou. Achei as letras um
pouco vagas", completa.
Para ele, não são apenas as
bandas brasileiras que têm
mais a dizer que as americanas:
no cinema, é a mesma coisa.
"Quando quero conteúdo, procuro filmes brasileiros. Hollywood não passa de diversão."
Aline Nordi, 18, que pretende
cursar artes plásticas para trabalhar com direção de arte em
cinema, concorda. Para ela, o
cinema hollywoodiano é "chato, repetitivo e previsível".
"Até pela falta de dinheiro,
precisamos ser mais criativos
no Brasil e na América Latina.
A gente sabe usar melhor os recursos emocionais nos roteiros. Um cineasta como Jorge
Furtado consegue atingir um
ápice emocional com pouco recurso", afirma a estudante, que
também admira Fernando
Meirelles e os diretores do cinema marginal.
Mas ela faz uma ressalva: "O
problema é quando cai no estereótipo da favela, da violência.
A gente já é muito discriminado", admite a estudante, que,
ainda assim, acha os filmes nacionais superiores.
Layla Rodrigues, 20, estudante de direito, é voz dissonante em relação ao cinema. "O
nacional está difícil. Admito
que o cine americano é bom."
Mas essa é a única concessão
que ela faz ao estrangeiro.
Tubaína
Layla é fã de rock e gosta de
bandas nacionais, como Capital Inicial, Pato Fu, Legião Urbana e Cidade Negra, por conta
das letras e da sonoridade.
Sucessos gringos, como
System of a Down e Linkin
Park, não têm vez em sua seleção. "O som é muito estridente
e barulhento, e as letras não
têm nexo", diz.
Quando o assunto é gastronomia, ela não abre mão dos
brasileiríssimos arroz, feijão e
bife, ou de uma bela feijoada.
Refrigerante, só em último
caso e nunca Coca-Cola. Ela
prefere a boa e velha Tubaína.
"Eu me recuso a entrar no Mc
Donald's. Detesto hambúrguer,
tem muita coisa junta, não dá
para sentir o gosto de nada."
Na literatura, a produção
brasileira também leva vantagem. "Até gosto de "O Código
Da Vinci", de "O Mundo de Sofia", mas me identifico muito
mais com Machado de Assis e
Clarice Lispector."
Em janeiro, quando o Folhateen publicou uma matéria sobre adolescentes que rejeitavam a cultura brasileira, ela mandou um e-mail indignado
para o caderno. "Acho que o patriotismo em excesso é perigoso, mas precisamos valorizar a
nossa cultura. Não entendo
quem tem vergonha", comenta.
Balada
Quando vai a festas, a estudante Bianca Borgianni, 14, é
das poucas convidadas que não
se empolgam muito na pista de
dança. Isso porque nas baladas
o que predomina é o pop e a
black music de artistas como
Beyoncé, Mariah Carey e Black
Eyed Peas.
"É uma música feita só para
ganhar dinheiro. Por isso, eles
colocam essas garotas saradonas para seduzir o público, mas
o som fica em segundo plano",
diz Bianca, que nunca comprou
um disco desses artistas. "Não
estou interessada em dar dinheiro para esses caras."
O que ela realmente gosta é
de MPB, tanto dos medalhões,
como Chico Buarque e Caetano
Veloso, quanto da nova geração, representada por cantoras
como Maria Rita e Céu.
Mas ressalta: não dá para ter
preconceito contra artistas estrangeiros. "Eu gosto de rock
clássico, mas os artistas atuais
não me agradam."
Outra que não curte o pop
gringo atual é Julia Codas, 15,
amiga de Bianca. "O que toca
nas rádios é muito tosco. Uma
vez, para um trabalho de escola,
eu traduzi algumas letras do
Black Eyed Peas e fiquei chocada. Eram péssimas."
Assim como Bianca, ela prefere a MPB, porque acha as músicas mais sofisticadas e as letras mais elaboradas. "Nas músicas do Chico Buarque da época da ditadura, por exemplo, dá
para perceber o que estava
acontecendo, mas não há nada
explícito. Ele exige uma reflexão para entender", conta a garota, que também é fã de Beatles e de Ray Charles.
Anita Ayres, 15, da mesma
turma de Bianca e de Julia,
também é fã da música brasileira. "A MPB fala de muitos assuntos diferentes que têm a ver
com a nossa realidade. Para
mim, é fundamental entender
o que o artista está falando."
Além da música, ela admira
também artistas plásticos brasileiros, como Hélio Oiticica.
"O legal é que a gente pode interagir com as obras", conta a estudante.
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