São Paulo, segunda-feira, 07 de outubro de 2002

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FOLHATEEN EXPLICA

Transcrição dos genes de causa e transmissor do mal é só o começo

Genoma da malária contém mais perguntas que respostas

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Nós arranjamos o palheiro. Agora, os cientistas precisam ir até ele e achar a agulha." Parece piada, mas o pesquisador britânico Neil Hall, do Instituto Sanger do Wellcome Trust, não conseguiu pensar em nada melhor para anunciar a conclusão do sequenciamento dos genomas do mais letal micróbio a causar a malária, o Plasmodium falciparum, e do principal transmissor da doença, o mosquito Anopheles gambiae.
Não que as revistas científicas "Nature" e "Science", as mais importantes do planeta, não tenham tentado marcar a ocasião com a máxima pompa: 30 artigos, assinados por mais de 160 cientistas, foram publicados, e os resultados dos genomas, alardeados em entrevistas coletivas paralelas em Londres e em Washington. Tudo para dizer que uma das piores doenças infecciosas da Terra (que mata 2,7 milhões de pessoas por ano, 90% delas na África) estava com os dias contados.
O mundo real, porém, é bem mais complicado. Os genomas vão ajudar, no longo prazo, a entender alguns dos pontos fracos dos dois vilões, mas também mostram por que eles dão um nó na cabeça dos cientistas há mais de um século.
O plasmódio, por exemplo, revelou ter uma verdadeira multidão de genes que vivem pulando de um lugar para outro e modificando sua função -os chamados genes "var", que a criatura usa para enganar o sistema de defesa do organismo humano. Tudo isso graças, adivinhe só, ao sexo. O parasita, ao contrário de outros seres de uma única célula, se reproduz de forma sexuada, e aproveita essa fase para trocar e recombinar seus genes "Parasitas que fazem sexo sempre são osso duro de roer", resume Heitor Franco de Andrade, do Instituto de Medicina Tropical da USP.
Já o Anopheles gambiae (que não existe no Brasil, sendo substituído por aqui pelo A. darlingi) anda cada vez mais resistente aos inseticidas usados hoje, embora seu genoma possa revelar outras opções, como reduzir a tara do bicho por sangue exclusivamente humano ou sua resistência ao plasmódio.
Outro problema, porém, é apontado por Marcelo Urbano Ferreira, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP: "O tipo de plasmódio sequenciado se reproduz só em laboratório há mais de uma década". Ou seja, genes importantes para sobreviver em condições naturais podem simplesmente não constar dessa versão do parasita, já que ele não precisaria deles. Resumindo: se os alvos contra a malária gerados pelos genomas são muitos, vai ser difícil saber em qual deles mirar.



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