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Futebol descalço e empoeirado está na origem do penta do Brasil
100% Várzea
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
Em futebol de campo de várzea, vale tudo. Chuteira surrada, aberta na ponta,
remendada, esperando o pé crescer para
uma substituição. Chinelo de dedo também entra em campo -seria melhor dizer em terra- e, se não tiver outro jeito,
um par habilidoso de pés descalços ainda pode finalizar a jogada, levantar a
poeira do campo e marcar um gol.
A vontade de jogar é o fator dominante
para os garotos que moram no Jardim
Irene, bairro que integra o distrito do Capão Redondo, um dos mais violentos da
periferia de São Paulo. Foi lá, nessa mesma várzea, que o capitão da seleção brasileira, Cafu, fez seus primeiros passes. O
jogador homenageou seu bairro de origem na comemoração do pentacampeonato Mundial ao erguer a taça com uma
camisa onde se lia: "100% Jardim Irene".
Em uma área onde não há asfalto nem
esgoto, a paixão brasileira pelo futebol
pôde assegurar pelo menos alguns metros quadrados de terra batida
para os jovens da região.
Três ou quatro vezes
por semana, dezenas de
garotos se reúnem no
campo do bairro para
jogar. "É o único lazer
que temos aqui", explica
Bruno Fernando Ribeiro, 17.
Mas a diversão ganha
contornos de sonho com
um futuro melhor. Bruno, que integra a escolinha do bairro,
quer trilhar os passos do antigo vizinho e
ilustre pentacampeão. Já fez testes para
jogar no Corinthians e na Portuguesa.
Não passou, mas quer tentar de novo. "O
próprio Cafu tentou várias peneiras. Se
ele saiu daqui, outros podem conseguir o
mesmo. Na várzea, existem vários garotos que têm futebol para jogar na seleção", exagera Bruno.
Antônio Silva, 13,
também se esfola na terra do campo do Jardim
Irene de olho em um
gramado verdinho de
algum time de destaque. "Vou tentar as peneiras porque futebol
dá futuro. Estudo também dá futuro, mas futebol dá mais."
Bruno acha que leva
vantagem: "Aqui você
aprende toda a ginga do
futebol -seja batendo,
seja apanhando".
João Marcos Menezes, 35, é professor
do time do bairro há 15 anos. "Cheguei
até a trabalhar um pouquinho com o Cafu", gaba-se. Para ele, o campo de várzea
do Jardim Irene e os de tantas outras periferias do Brasil são peças fundamentais
do nosso futebol pentacampeão.
"A malandragem do futebol brasileiro
vem do campo de várzea, está muito associada à sobrevivência do pessoal daqui", explica. "Se o jogo de várzea acabar,
será o fim do futebol brasileiro."
Memória
Para celebrar o futebol de várzea e defendê-lo como autêntico celeiro dos craques do Brasil, o Sesc Itaquera (av. Fernando do Espírito Santo Alves Mattos,
1.000) realiza, na sexta (12/ 7) e no sábado
(13/7), um evento que resgata a memória
desse esporte em São Paulo com exposição de fotografias e de objetos históricos,
mesas-redondas e shows.
"Com o avanço das construções urbanas, o futebol de várzea corre risco de extinção. É um esporte de baixo custo, que
atinge um grande número de jovens", defende Irene Marques, 52, organizadora
do evento.
Se Antônio, do Jardim Irene, vai fazer
parte do futuro dessa memória, não se
sabe. Mas, exibindo o dedão do pé pelo
buraco de sua chuteira, ele acredita que
sim: "Quem está de chuteira certinha é
porque não joga nada!".
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