São Paulo, segunda, 9 de junho de 1997.



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A Pulga

Repara nesta pulga e apreende bem
Quão pouco é o que me negas com desdém.
Ela sugou-me a mim e a ti depois,
Mesclando assim o sangue de nós dois.
E é certo que ninguém a isto alude
Como pecado ou perda de virtude.
Mas ela goza sem ter cortejado
E incha de um sangue em dois revigorado:
É mais do que teríamos logrado.
Poupa três vidas nesta que é capaz
De nos fazer casados, quase ou mais.
A pulga somos nós e este é o teu
Leito de núpcias. Ela nos prendeu,
Queiras ou não e os outros contra nós,
Nos muros vivos deste Breu a sós.
E embora possas dar-me fim, não dês:
É suicídio e sacrilégio, três
Pecados em três mortes de uma vez.
Mas tinges de vermelho, indiferente,
A tua unha em sangue de inocente.
Que falta cometeu a pulga incauta
Salvo a mínima gota que te falta?
E te alegras e dizes que não sentes
Nem a ti nem a mim menos potentes.
Então, tua cautela é desmedida.
Tanta honra hei de tomar, se concedida,
Quanto a morte da pulga à tua vida.

John Donne (1572-1631), traduzido do inglês por Augusto de Campos



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