São Paulo, Segunda-feira, 10 de Janeiro de 2000


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Raimundos, ruindade, Titãs, Brasil

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
Colunista da Folha

Despachei os Raimundos para o Eject, na semana passada, e acabei ganhando elogios que preferia não ter recebido. Explico: os e-mails me apoiavam dizendo que "as letras dos Raimundos têm palavrões, que as crianças repetem", "o certo é valorizar nossa rica MPB", "bom era o tempo em que o rock nacional tinha poetas como Cazuza e Renato Russo".
Vamos botar um freio nessa história. Não foi isso que eu quis dizer.
Minhas restrições aos Raimundos não têm nada a ver com letras indecentes. Pelo contrário: fazer barulho recheado de impropérios ainda é melhor do que submeter a molecada à ética moreno-preguiçosa que vigora há 30 anos na MPB.
Entre um garoto de 13 anos que sai gritando, descabelado, "eu quero ver o oco!" e outro que passa o dia de bobeira na praia, com violãozinho, cantando "menina do anel, de lua e estrela...", fico, claro, com a alternativa "a".
Critico os Raimundos por uma razão bem mais simples: porque são uma banda muito fraca. Não sabem tocar, suas músicas seguem estruturas infantis, e são incapazes de se aproximar, por um segundo que seja, de qualquer coisa que possa ser chamada de criativa.
Mas também não gostaria de pegá-los para Cristo. Eles não são aberrações, pontos de mediocridade anormal. São, simplesmente, um retrato do rock brasileiro.
Várias pessoas já reclamaram de eu falar mal dos Raimundos, apesar de concordarem comigo que, como banda, eles não existem. Para essas pessoas (e, depois dos e-mails que recebi, começo a entendê-las), ainda é menos triste ver o sucesso de um grupo que, mesmo medonho, tem alguma personalidade, do que aguentar o discurso "moderno" da turma de Carlinhos Brown, Chico César, Otto e Arnaldo Antunes.
É verdade. Os Raimundos podem ser ruins, mas não apontam para um mal maior. Não são como Titãs ou Paralamas, representantes de uma social-democracia pastosa que fazem a trilha sonora desta desfibrada era FHC.
Pelo contrário. Quem encontra os Raimundos sempre volta falando como eles são gente boa, agradáveis, moleques sem nenhum sinal do papo-furado dos "gênios" da MPB.
Pena que isso não seja suficiente para encobrir tantas de deficiências técnicas, e aqui cabe uma comparação.
Imagino que as rádios brasileiras estejam tocando tanto quanto as daqui as músicas de uma banda californiana chamada Blink 182 (a canção mais famosa deles é "All the Small Things"). Pois bem: o Blink 182 faz um som cheio de gracinhas e sacanagens, na praia dos Raimundos. Ou, melhor ainda, na praia dos Mamonas Assassinas, falando de masturbação, pum, meleca de nariz.
Som para menores de 12 anos, só que é o seguinte: assisti aos três moleques do Blink 182 ao vivo, e eles só faltaram rachar no meio um ginásio para 15 mil pessoas.
Imagine se os cientistas que clonaram a ovelha Dolly na Escócia aparecessem no Brasil e fizessem cinco cópias de cada um dos Raimundos. Depois, clones e originais seriam levados para a mesma arena onde o Blink 182 se apresentou, e com o mesmo equipamento. Garanto para você: ainda assim, não teriam metade do peso da banda americana.
Recentemente, eu lia um guia de turismo sobre o Brasil, e a autora destacava a capacidade de nos divertirmos com qualquer coisa. "Até caixa de fósforo vira instrumento musical na mão de brasileiro", dizia.
O sucesso dos Raimundos faz parte desse contexto: no Brasil, qualquer coisa já está bom.

Todo dia de semana, às 22h, escuto em uma rádio de San Francisco o programa "Love Line", de orientação sexual para jovens. Apresentado por um médico, dr. Drew, e por Adam Carolla, "Love Line" tem uma versão também na TV, que serviu de base para o "MTV Erótica", que você conhece aí no Brasil.
No rádio, "Love Line" é mais barra-pesada. Adam não tem paciência com os ouvintes e dá respostas, muitas vezes, baseadas num duvidoso senso comum. Resultado: a crítica desce o malho, chamando a dupla de machista, preconceituosa, homofóbica etc.
Outro dia, depois de ler mais um artigo falando mal do programa, Adam mandou o seguinte comentário:
"Falem mal, podem falar, porque acabei de assinar um novo contrato com a televisão. Mais: moro numa casa enorme em Beverly Hills, e dirijo um belo BMW. Podem criticar, seus cretinos sem talento!"
As palavras de Adam Carolla resumem bem a inutilidade da coluna de hoje. Os Raimundos vão continuar andando de BMW. E, acho, a passagem de trem da minha casa até o centro de San Francisco custa US$ 2,75.


Álvaro Pereira Júnior, 36, é jornalista

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