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Raimundos, ruindade, Titãs, Brasil
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
Colunista da Folha
Despachei os Raimundos para
o Eject, na semana passada, e
acabei ganhando elogios que
preferia não ter recebido. Explico: os e-mails me apoiavam dizendo que "as letras dos Raimundos têm palavrões, que as
crianças repetem", "o certo é valorizar nossa rica MPB", "bom
era o tempo em que o rock nacional tinha poetas como Cazuza
e Renato Russo".
Vamos botar um freio nessa
história. Não foi isso que eu quis
dizer.
Minhas restrições aos Raimundos não têm nada a ver com letras indecentes. Pelo contrário:
fazer barulho recheado de impropérios ainda é melhor do que
submeter a molecada à ética moreno-preguiçosa que vigora há
30 anos na MPB.
Entre um garoto de 13 anos
que sai gritando, descabelado,
"eu quero ver o oco!" e outro que
passa o dia de bobeira na praia,
com violãozinho, cantando "menina do anel, de lua e estrela...",
fico, claro, com a alternativa "a".
Critico os Raimundos por uma
razão bem mais simples: porque
são uma banda muito fraca. Não
sabem tocar, suas músicas seguem estruturas infantis, e são
incapazes de se aproximar, por
um segundo que seja, de qualquer coisa que possa ser chamada de criativa.
Mas também não gostaria de
pegá-los para Cristo. Eles não
são aberrações, pontos de mediocridade anormal. São, simplesmente, um retrato do rock
brasileiro.
Várias pessoas já reclamaram
de eu falar mal dos Raimundos,
apesar de concordarem comigo
que, como banda, eles não existem. Para essas pessoas (e, depois dos e-mails que recebi, começo a entendê-las), ainda é menos triste ver o sucesso de um
grupo que, mesmo medonho,
tem alguma personalidade, do
que aguentar o discurso "moderno" da turma de Carlinhos
Brown, Chico César, Otto e Arnaldo Antunes.
É verdade. Os Raimundos podem ser ruins, mas não apontam
para um mal maior. Não são como Titãs ou Paralamas, representantes de uma social-democracia pastosa que fazem a trilha
sonora desta desfibrada era
FHC.
Pelo contrário. Quem encontra
os Raimundos sempre volta falando como eles são gente boa,
agradáveis, moleques sem nenhum sinal do papo-furado dos
"gênios" da MPB.
Pena que isso não seja suficiente para encobrir tantas de deficiências técnicas, e aqui cabe
uma comparação.
Imagino que as rádios brasileiras estejam tocando tanto quanto as daqui as músicas de uma
banda californiana chamada
Blink 182 (a canção mais famosa
deles é "All the Small Things").
Pois bem: o Blink 182 faz um som
cheio de gracinhas e sacanagens,
na praia dos Raimundos. Ou,
melhor ainda, na praia dos Mamonas Assassinas, falando de
masturbação, pum, meleca de
nariz.
Som para menores de 12 anos,
só que é o seguinte: assisti aos
três moleques do Blink 182 ao vivo, e eles só faltaram rachar no
meio um ginásio para 15 mil pessoas.
Imagine se os cientistas que
clonaram a ovelha Dolly na Escócia aparecessem no Brasil e fizessem cinco cópias de cada um
dos Raimundos. Depois, clones e
originais seriam levados para a
mesma arena onde o Blink 182 se
apresentou, e com o mesmo
equipamento. Garanto para você: ainda assim, não teriam metade do peso da banda americana.
Recentemente, eu lia um guia
de turismo sobre o Brasil, e a autora destacava a capacidade de
nos divertirmos com qualquer
coisa. "Até caixa de fósforo vira
instrumento musical na mão de
brasileiro", dizia.
O sucesso dos Raimundos faz
parte desse contexto: no Brasil,
qualquer coisa já está bom.
Todo dia de semana, às 22h, escuto em uma rádio de San Francisco o programa "Love Line",
de orientação sexual para jovens.
Apresentado por um médico, dr.
Drew, e por Adam Carolla, "Love
Line" tem uma
versão também
na TV, que serviu de base para
o "MTV Erótica", que você
conhece aí no
Brasil.
No rádio, "Love Line" é mais
barra-pesada.
Adam não tem
paciência com
os ouvintes e dá
respostas, muitas vezes, baseadas num duvidoso senso comum. Resultado: a crítica desce o malho, chamando a dupla
de machista,
preconceituosa,
homofóbica etc.
Outro dia, depois de ler mais
um artigo falando mal do programa, Adam
mandou o seguinte comentário:
"Falem mal, podem falar, porque acabei de assinar um novo
contrato com a televisão. Mais:
moro numa casa enorme em Beverly Hills, e dirijo um belo
BMW. Podem criticar, seus cretinos sem talento!"
As palavras de Adam Carolla
resumem bem a inutilidade da
coluna de hoje. Os Raimundos
vão continuar andando de
BMW. E, acho, a passagem de
trem da minha casa até o centro
de San Francisco custa US$ 2,75.
Álvaro Pereira Júnior, 36, é jornalista
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