São Paulo, segunda, 10 de maio de 1999

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É triste, mas o rock virou jazz

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha

Anúncio fúnebre: o rock americano virou jazz. Depois de breve temporada de shows e lojas de CDs em San Francisco, uma das mecas roqueiras dos EUA, a constatação é que as bandas independentes falam para um público cada vez menor, prisioneiras de suas próprias armadilhas estéticas.
Há dez anos, as prateleiras da chamada música "alternativa" traziam bandas como Nirvana, Mudhoney, Huevos Rancheros, Cosmic Psychos. Todas extremamente barulhentas, mas que ainda apresentavam algum vínculo com o formato pop/rock de canções de quatro minutos para ouvir na estrada, assobiar etc., etc.
Mas então o alternativo virou mainstream, Kurt Cobain se cansou da representação e deu um tiro na cabeça, a música eletrônica se transformou no novo punk, e o rock perdeu o rumo.
Vigora hoje, na cena independente dos EUA, o chamado pós-rock. Grupos como Jessamine, Tortoise e Trans-Am fazem uma música incompreensível para não-músicos. Ruídos desconexos, blips, blops, guitarras sampleadas à exaustão.
As semelhanças com o que aconteceu ao jazz são assustadoras. Esse ritmo, depois do gênio Miles Davis, também mergulhou no experimentalismo estéril. Era como se os outros músicos, atônitos, se perguntassem: depois desse Miles, vamos fazer o quê?
Acabaram fazendo música chata para pequenos grupos de conhecedores e transformaram o jazz nesse cadáver que hoje conhecemos: um nicho ultra-específico de mercado, que não fala para mais ninguém.
É desolador olhar para a prateleira de CDs "recomendados pelo staff" de uma das melhores lojas de San Fran, a Aquarius, e constatar que 90% deles são insuportáveis para quem não acompanha cada milímetro da evolução daquele tipo de música.
Um show com três das bandas mais prestigiadas do momento também foi de lascar. Abrindo, a dupla Pan Sonic (ex-Panasonic; a empresa processou), uma colagem de ruídos eletrônicos com imagens sem sentido no fundo do palco. Quando pararam de tocar, alívio. Não se ouviu nenhum aplauso.
Depois, outra banda, os Champs, mostraram seu som instrumental, tristemente parecido com... jazz-rock!
Por fim, o cultuado Trans-Am (um baterista, dois baixistas e guitarras sampleadas) faz uma primeira metade de show mais ou menos reconhecível como rock; mas o material mais recente... haja paciência.
No rádio, nada que anime. O punk anódino de Green Day e Rancid está em todas, além das inúmeras cópias de Nine Inch Nails, que prosperam enquanto o original embaça mais um ano para lançar disco novo. Nesse ramo, Korn e Orgy (que fez um cover medonho de "Blue Monday", do New Order) ganham lugar especial na lata de lixo da história da música pop.
A conclusão é óbvia: não há saída para o rock and roll.

Show-surpresa na superloja de CDs, a Amoeba: ninguém menos que os fenomenais Man or Astro-Man, que tocaram no ano passado no Brasil e agora lançam disco novo.
Depois de quase botar a Amoeba abaixo, Coco (vocal e baixo) e Birdstuff (bateria) contaram para "Escuta Aqui" que a turnê brasileira foi "a mais espetacular" da história da banda.
Lembraram com especial carinho das apresentações em Londrina e Maringá e revelaram que estarão de volta em setembro.
Os brasileiros agradecem.



Álvaro Pereira Júnior, 36, é chefe de Redação do "Fantástico" em São Paulo


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"The 3 Way", Lilyes
Graças aos céus: uma banda que toca simples, usa teclados simples, faz canções simples e celebra o gosto pelo velho rock and roll. Eles têm menos de 30 anos, mas soam como uma legítima banda dos anos 60. Coisa fina.

"Brigitte Fontaine est...", Brigitte Fontaine
Esta cantora francesa é a mais nova onda entre a "descolância" independente dos EUA. O disco tem umas faixas meio "vaudeville", sem graça, mas, nas mais dramáticas, corta o coração (no bom sentido, é claro).

"5", Lenny Kravitz
Se você gosta "daquela" música ("Fly Away"), compre só o compacto (pela Internet) porque o restante do álbum é uma diluição insuportável e pretensiosa de vários tipos de black music. Kravitz se veste bem, mas é só.





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