São Paulo, segunda-feira, 11 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MEU ADIDAS

Assassinato de DJ põe fim ao Run-DMC, um dos nomes mais inventivos do hip hop

Helen Valentine - 21.jul.2001/France Presse
Jam Master Jay durante show do Run-DMC


GUILHERME WERNECK
DA REPORTAGEM LOCAL

"Jam Master Jay não era um assassino. Jam Master Jay não era um gângster. Jam Master Jay era um indivíduo único. De forma simples e direta, Jam Master Jay era um b-boy. Ele era a personificação do hip hop." Esse trecho do discurso de despedida feito por Darryl McDaniels -o DMC do veterano trio de rap Run-DMC- durante o funeral do DJ na última terça-feira assume um tom claro de defesa pública.
Jam Master Jay, 37, cujo nome verdadeiro era Jason Mizell, foi morto em seu estúdio, no bairro do Queens, em Nova York, no último dia 30 de outubro, com um tiro à queima-roupa. Na semana passada, a polícia divulgou a descrição do atirador, mas, até o fechamento desta edição, não tinha pistas que levassem ao assassino ou ao motivo do crime.
O assassinato chocou a comunidade do hip hop e reacendeu a discussão sobre os laços entre rap e violência.
Essa relação se intensificou a partir dos anos 90, quando o gangsta rap, com letras que faziam a apologia da violência, se transformou no filão mais lucrativo da indústria. Com a morte de dois dos principais artistas do gênero (2Pac e The Notorious B.I.G.) e com o envolvimento real de alguns rappers com o crime (um exemplo é Ol" Dirty Bastard, do Wu-Tang Clan), a imagem do rap e dos rappers ficou cada vez mais colada à criminalidade para a opinião pública.
Contudo essa não deixa de ser uma visão distorcida do rap, que nasce na virada dos anos 70 para os 80 como música de festa. E se firma no começo dos anos 80 com um forte componente de crítica social, sempre calcada na realidade das comunidades negras urbanas.
O Run-DMC, um dos pioneiros do estilo, que sempre teve como emblema as roupas pretas e os tênis Adidas ("homenageados" na faixa "My Adidas", do álbum "Raising Hell"), nunca fez apologia do crime. Ao contrário, os membros do grupo sempre tiveram um discurso pacifista e um comportamento exemplar tanto no que diz respeito a rixas com outros rappers quanto em relação ao modo como atuavam junto à comunidade do Queens, de onde nunca saíram.
Daí vêm o sentido do discurso de DMC sobre o seu parceiro morto e a dificuldade da polícia em encontrar um motivo para o crime.
"Jay era um dos pais fundadores do hip hop, uma pessoa maravilhosa, que representava tudo de bom no rap. É um absurdo pensar que a sua morte tenha a ver com rixas entre rappers. Para mim, o motivo deve estar relacionado a um negócio malfeito ou a alguma dívida, que poderia não ser nem dele. Hoje, vivemos uma realidade muito triste, e as pessoas se matam por causa de US$ 10", disse Rich "Balewa" Manson, 29, agente de grupos de rap como Dead Prez e 50 Cent, à Folha por telefone, de Nova York.
Um dos agenciados por "Balewa", 50 Cent, figura em uma das hipóteses da polícia para o crime. Protegido de Jay, ele teve seu último sucesso produzido pelo DJ. A faixa "Wanksta", bem tocada nas rádios de hip hop, tira sarro do mundo gangsta e pode ter gerado em alguns rappers a vontade de vingança.
Embora essa não seja a principal suspeita, 50 Cent tem ficado esperto. Na semana passada, a polícia foi chamada ao hotel onde o rapper estava hospedado por causa de reclamações de barulho e o encontrou com seguranças armados, vestindo um colete à prova de balas.
A tese relacionada ao dinheiro é a que tem mais força. "Não sei o que aconteceu, mas suspeito que, quando a polícia chegar ao fundo da investigação, verá que é uma questão de dinheiro", disse Randall Sullivan, 49, jornalista da revista "Rolling Stone", em entrevista à Folha por e-mail.
Para Russell Simmons, irmão de Run, o motivo da morte de Jay pode nunca vir a ser conhecido, mas as causas são claras. "Sou do Queens e, nos últimos dez anos, houve tantos assassinatos... As condições e a economia pioram; isso causa ignorância e falta de oportunidades e traz mais armas para a comunidade", diz.
Seja qual for o motivo, a morte de Jay tem mais uma consequência triste: calar as vozes de Run e de DMC depois de quase 20 anos de carreira, em que o trio praticamente inventou a fusão de hip hop com rock'n'roll (para quem não tem idade para se lembrar, basta ouvir a fantástica versão de "Walk This Way", que ressuscitou, em 1986, os então esquecidos roqueiros do Aerosmith).
Na quarta-feira passada, em entrevista coletiva, Run (Joseph Simmons) anunciou o fim do grupo. "Run-DMC está oficialmente aposentado." "Não conseguiremos nos apresentar mais. Não conseguiremos fazer isso sem os três membros", completou DMC.


Com agências internacionais



Texto Anterior: Peixes que se fingem de mortos
Próximo Texto: Irmandade no rap e polêmica fora dele
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.