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Mundo injusto derruba a melhor banda do mundo
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
Se houvesse alguma justiça neste planeta, Girls
Against Boys seria a principal banda do mundo. A
mais famosa, cultuada, a que vende mais. Sacerdotes de
um pós-punk dançável , acima do bem e do mal.
Mas a vida é injusta, e por isso assisti Girls Against
Boys, sexta-feira retrasada, em um clube pequeno de
San Francisco, chamado Bottom of the Hill. Casa bem
equipada e simpática, mas onde não cabem nem 450
pessoas. É muito pouco para uma banda tão original e
ao mesmo tempo acessível.
Girls Against Boys é um quarteto de Washington, capital dos EUA. Costumava se apresentar com bateria,
guitarra e dois baixos. Agora, um dos baixos foi substituído por um teclado. Os vocais são praticamente falados. A dinâmica é a mesma de bandas como Fugazi e
Helmet -ou seja, ataca, amansa, ataca de novo. A diferença está no papel condutor do baixo, com "grooves"
grudentos que fazem da banda um caso raro de filhos
do punk que sabem dançar. Os caras têm atitude cool e
um público fiel. Mas nunca estouraram, e, ao que parece, não vão estourar jamais. Passaram do ponto.
E por quê? As teorias são várias.
"As canções não têm nenhum gancho, não são do tipo
que toca no rádio", arrisca um músico contemporâneo
do Girls Against Boys. Esse mesmo músico, guitarrista
de uma lendária banda punk californiana, me contou
que o Girls Against Boys gastou literalmente milhões
com seu álbum de 1998, "Freak On I*C*A" (pronuncia-se "fricónica"). A gravadora, Geffen, torrou mais uma
tonelada de dólares na divulgação, mas nada adiantou.
As rádios e o grande público não se deixaram seduzir.
Em 1998 mesmo, havia sinais preocupantes. Vi um
show da turnê do "Freak on I*C*A" e o teatro Fillmore,
em San Francisco mesmo, não estava lotado. Numa cidade em que tudo esgota, era um mau indício.
Há anos defendo nesta coluna os chamados artesãos
do pop. Músicos que não são tecnicamente geniais, ou
brutalmente inovadores, mas que, de alguma maneira,
parecem conhecer os receptores químicos de nosso sistema nervoso. Roberto Carlos, por exemplo.
Nesse sentido, meu entusiasmo pela música dos Girls
Against Boys parece incoerente, porque eles podem ser
tudo, menos flagrantemente pop. Mas acho que eles trafegam por uma trilha estreita, como a dos Pixies, por
exemplo. Um caminho que, se não é popular por si mesmo, também não se joga sem controle no experimentalismo estéril, na música para músicos. Girls Against
Boys é rock ultramoderno, são quatro caras cool até o
último fio de cabelo. Pena que pouca gente saiba disso.
Álvaro Pereira Júnior, 37, é jornalista e mora em San Francisco. E-mail: cby2k@uol.com.br
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