São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 2000


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Pra que serve a escola (de novo)

Gustavo Ioschpe
Colunista da Folha

A coluna de 1º de maio ("Por que a escola não serve pra quase nada"), provocou reações interessantes. Uma guria foi suspensa da escola por ter distribuído o texto em sala de aula. Um professor de jornalismo passou uma aula inteira tentando mostrar por que a coluna estava errada, para depois mandar seus alunos escreverem redações mostrando que a escola serve para alguma coisa. Ou seja, quiseram só boicotar a si mesmos e comprovar minha tese de que a escola abandonou há muito seu papel de disseminadora de conhecimento, estimulante de curiosidade e chave de libertação das consciências embrutecidas e passou a ser o presídio preocupado em cobrir "o que cai", em impor suas regras, em doutrinar e sufocar os arredios. Houve também, é claro, muita gente apoiando e contando suas histórias de terror. Parte dos elogios veio dos próprios professores, o que me pareceu meio estranho (o agente carcerário criticando o sistema penitenciário). Mas houve muita crítica interessante, que eu gostaria de debater.
A primeira foi dizer que é ridículo dizer que a escola não serve pra nada, já que nos ensina a ler, fazer contas etc. Claro. Não há dúvida. Estava-se falando aqui mais dos níveis superiores de ensino de segundo grau, que não lidam com as necessidades básicas como a alfabetização. Se não ficou claro, devo frisar que sim, a educação básica serve pra muito, na medida em que transforma uma não-entidade que não sabe ler, escrever, somar, etc. em uma pessoa inserida no mundo.
A segunda foi dizer que a crítica desconsiderava as necessidades das pessoas que frequentam escolas públicas, em condições de miséria, para quem a educação é a única saída. Vale dizer que eu tinha em mente, quando escrevi o texto, a educação de classe média alta, pois não vou ser demagogo e tentar criticar experiências que não vivi. Não morei em favela, não estudei em escola pública, e não sou leviano para comentar aquilo que só conheço por estatística.
A terceira reclamação foi, novamente, dizer que aponto críticas, mas não soluções. Bem, escrevi minha tese de graduação sobre o assunto e teria recomendações suficientes para encher esse jornal. A primeira seria acabar com essa rematada idiotice que é o vestibular. Indo mais fundo, seria criar um sistema educacional mais voltado para quem realmente precisa e parar de dar subsídio político a quem não precisa, acabando com a gratuidade do ensino superior para quem pode pagar e transferindo esses recursos para a educação primária, especialmente para a capacitação de professores, porque a qualidade do ensino torna-se a batalha principal agora que temos mais de 95% das crianças matriculadas no ensino público.
A quarta crítica foi dizer que a coluna mostrava a sua própria implausibilidade por só poder ter sido escrita por alguém oriundo de boas escolas. Tive grandes professores que, sem dúvida, me fizeram crescer muito. Mas, desgraçadamente, foram minoria. Sempre suplantei o que a escola não me dava com leituras e vivências pessoais, e hoje estou convencido de que isso é que realmente faz a diferença. "Al fin y al cabo", nada supera ou substitui a vontade do indivíduo.


Gustavo Ioschpe, 23, mora em Londres.
E-mail: desembucha@uol.com.br




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