São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 2002

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Policial enfrenta assassino em ritmo de rock and roll

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Marcio Machado - 2.abr.2000/Folha Imagem
Morrisey, vocalista dos Smiths e co-autor, com Johnny Marr, da canção "Girlfriend in a Coma"


Um assassino em série está à solta em Guarulhos, Grande São Paulo. Um outro, que atira a esmo, aterroriza a área de Washington, capital dos EUA.
Em termos de sadismo, no entanto, os dois não chegam aos pés de um maníaco que apavora o norte de Londres. Um louco a quem não se pode chamar exatamente de assassino. Porque seu objetivo não é matar -é levar as vítimas a um irreversível coma vegetativo.
Se os matadores de Guarulhos e de Washington são ameaças reais, o louco de Londres, felizmente, só existe na ficção. É personagem do ótimo livro "Sleepyhead", do jovem autor inglês Mark Billingham, roteirista de TV que faz uma estupenda estréia na literatura policial.
A música desempenha papel central na trama. Como um Nick Hornby "noir", Billingham nos apresenta seu herói: o detetive Tom Thorne, para quem solucionar crimes é tão importante quanto ouvir a nova canção do Massive Attack. Thorne, assim como Billingham e os personagens de Hornby, tem 40 anos e gosto musical de um moleque de 23.
A história de "Sleepyhead" se passa primordialmente em bairros como Camden e Muswell Hill, de longa tradição roqueira, o que reforça ainda mais a comparação com Hornby.
É nesse ambiente que surgem mulheres mortas por lesões no pescoço. Até que uma sobrevive: Alison Willetts. Mas ela não pode falar. O ataque a deixou em coma, aparentemente sem possibilidade de recuperação.
Aos poucos, a polícia entende que Alison está viva não porque o maníaco tenha falhado. Na verdade, as mortas é que representam fracassos. Porque o que o maníaco não quer matar, mas transformar as mulheres em vegetais -vítimas da chamada "locked-in syndrome", em que o cérebro funciona, mas o corpo não consegue se mover.
Para o algoz doentio, o cérebro vivo num corpo inerte representaria uma forma extrema de liberdade -a vida desconectada do emaranhado social.
Na melhor sacada da narrativa, cada capítulo começa com os pensamentos de Alison Willetts, uma "punkette" cheia de idéias sobre moda e estilo, que aos poucos se dá conta da gravidade de seu estado. Nas primeiras noites no hospital, uma canção não sai da cabeça dela: "Girlfriend in a Coma", dos Smiths. Desnecessário explicar por quê.
Há outros momentos memoráveis, como a primeira vez em que o detetive Thorne vai à casa da médica que cuida de Alison (rola um clima entre ele e a doutora). O tira rapidamente conclui que ela deve ter uma discoteca caretíssima, em que o máximo em ousadia deve ser um disco de Jimi Hendrix. À medida que vão ficando mais íntimos, a médica diz que vai botar um disco de que Thorne vai gostar. Não dá outra: é "Electric Ladyland", Hendrix de 1968.
"Sleepyhead", infelizmente, ainda não saiu no Brasil. Comece a torcer.



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