JÔ HALLACK
NINA LEMOS
RAQ AFFONSO
COLUNISTAS DA FOLHA

O fato mais marcante da última semana foi o possível reaparecimento do garoto Carlinhos, que não é mais um garoto lindo como víamos nas fotos durante a nossa infância, e sim um sujeito sem camisa, morador de Bauru. Foi um acontecimento (muito) mais importante que a gripe do frango ou as enchentes. Isso porque esperamos por essa notícia há mais de 25 anos. E você, que não tem idade para isso, deve estar se perguntando: quem é esse tal Carlinhos?! Será um novo pretê? E por que esse fuzuê?!
Explicamos: o garoto Carlinhos foi seqüestrado há 30 anos, no Rio, por um sujeito de cabelo black power. Por causa disso, povoou grande parte do nosso imaginário na infância e o das nossas mães, que andavam apertando nossas mãos quando estávamos na rua. A parte triste: a cada ano, sempre aparecia um charlatão dizendo ser o verdadeiro Carlinhos para se dar bem à custa da pobre família. O reencontro sempre acontecia diante de câmeras de televisão e sempre ficava provado que ele não era o verdadeiro Carlinhos, para a tristeza da mãe e de todo o Brasil. E olha que naquele tempo ainda nem existia exame de DNA!
Passamos a infância inteira meio apaixonadas pelo menino Carlinhos. Na foto dele, mais que divulgada em jornais, em revistas e na TV, ele era uma graça, tinha cabelo anos 70 e uma história muito triste e comovente. Mas Carlinhos nunca reaparecia. E aprendemos a lidar com isso. Se ele aparecesse, seria um ótimo pretê. Além de loirinho, tinha tido uma infância difícil. E, como todo mundo sabe, adoramos um PID (pretê infância difícil).
Mas nossa vida foi fundamentada na certeza de que ele nunca mais seria encontrado. E agora, quando já não depositamos mais esperanças neste mundo, aí está ele: Carlinhos, cidadão de Bauru. Aguardamos o resultado do exame de DNA como se fôssemos parentes.
Diante desse paradoxo mundial, tudo é possível. Até a paz no Oriente Médio. No dia seguinte ao da notícia do aparecimento do Carlinhos, já começamos a perceber sinais de que, a partir de agora, vale tudo. O primeiro sinal de que o mundo não é mais o mesmo: a Igreja Anglicana quer rever a história dos três Reis Magos. Segundo novos estudos, pela tradução correta, os três Reis Magos não eram três, nem reis e nem magos! Ou seja: toda a nossa crença no presépio aconteceu por causa de um erro de tradução!!! Eles podiam ser simplesmente passantes e, quem sabe, até mulheres!
O que causou essa mudança? Uma revisão histórica? Não, amigo! Isso é um reflexo do reaparecimento de Carlinhos. Temos medo de acordar amanhã e nos depararmos com outras mudanças radicais. Pois a nossa palavra de ordem agora é a seguinte: se até o Carlinhos reapareceu, tudo é possível. Até um amor por um astro pop (qual de nós vai casar com o Beck?), até o telefonema daquele cara que nunca liga. Tudo pode acontecer, porque a ordem mundial mudou. E milagres, agora, acontecem.



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