São Paulo, segunda-feira, 16 de abril de 2001

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Bicho pega no Brasil, bicho é manso nos EUA

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA, NO RIO DE JANEIRO

Chego ao Brasil depois de longos meses de ausência e um anúncio de loja de informática chama a atenção. O destaque é um computador portátil ("laptop") que toca DVDs. Preço: R$ 4,4 mil. São US$ 2,2 mil, acho meio caro, resolvo conferir no preciso site www.cnet.com. A suspeita se confirma -nos EUA, a mesma máquina sai por US$ 1,1 mil. Ou seja, no Brasil, onde o poder aquisitivo do povaréu nem se compara ao de seus similares do Norte, tudo custa muito mais caro.
Não é preciso, portanto, ir muito longe para entender qual é a da terra de Pindorama. Aqui, os bens de consumo estão impiedosamente distantes do chamado cidadão comum. Isso, associado a 500 anos de cultura escravocrata (alive and well, sim sinhô), dão o contorno de nossos privilegiados, uma classe média mesquinha, obcecada por marcas, símbolos vazios de status, catadores de migalhas de qualquer porcaria que lhes instile algum tipo de superioridade.
Em Hong Kong, que esta coluna visitou há alguns dias, há, quase literalmente, uma loja Gucci em cada esquina, uma loja Prada em cada shopping center. Computadores valem uma ninharia, telefones celulares minúsculos custam praticamente nada.
O valor das marcas se dilui num mar cintilante de opulência. E, por mais chiques que sejam, por mais finesse que emanem, não estão tão distantes assim de quem passa diante de suas vitrines.
Já no Brasil, pego a ponte aérea num horário que, julgo, seja de pico: 20h. Só que a lotação do avião (cujas virtudes tecnológicas são enaltecidas num patético vídeo de apresentação) não chega a 20%. Contraste violento com a rotina que enfrento na Califórnia, onde moro, lugar em que seja qual for o horário, em qualquer rota, a ocupação é de pelo menos 90%. No Brasil, voar também é programa de bacanas.
Escrevo esta coluna vendo as ondas que quebram na madrugada do mar de Ipanema. Jantei depois das 23h, com um amigo que foi convidado menos de uma hora antes. O dono do restaurante vem conversar só para fazer uma social, encontro conhecidos nas mesas vizinhas, uma amiga aparece, toda animada, vinda de outra festa (é noite de quarta-feira). Muita gente ainda chega quando saímos, em horário em que restaurante nenhum da Califórnia estaria aberto.
Não é possível, estou cada vez mais convencido, ter o melhor de dois mundos. A vida é uma entidade cruel, cheia de escolhas, boa sorte com elas.


Álvaro Pereira Júnior, 38, é jornalista e mora em San Francisco. E-mail: cby2k@uol.com.br


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