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Bicho pega no Brasil, bicho é manso nos EUA
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA, NO RIO DE JANEIRO
Chego ao Brasil depois de longos meses de ausência e
um anúncio de loja de informática chama a atenção.
O destaque é um computador portátil ("laptop") que
toca DVDs. Preço: R$ 4,4 mil. São US$ 2,2 mil, acho
meio caro, resolvo conferir no preciso site
www.cnet.com. A suspeita se confirma -nos EUA, a
mesma máquina sai por US$ 1,1 mil. Ou seja, no Brasil,
onde o poder aquisitivo do povaréu nem se compara ao
de seus similares do Norte, tudo custa muito mais caro.
Não é preciso, portanto, ir muito longe para entender
qual é a da terra de Pindorama. Aqui, os bens de consumo estão impiedosamente distantes do chamado cidadão comum. Isso, associado a 500 anos de cultura escravocrata (alive and well, sim sinhô), dão o contorno de
nossos privilegiados, uma classe média mesquinha, obcecada por marcas, símbolos vazios de status, catadores
de migalhas de qualquer porcaria que lhes instile algum
tipo de superioridade.
Em Hong Kong, que esta coluna visitou há alguns
dias, há, quase literalmente, uma loja Gucci em cada esquina, uma loja Prada em cada shopping center. Computadores valem uma ninharia, telefones celulares minúsculos custam praticamente nada.
O valor das marcas se dilui num mar cintilante de
opulência. E, por mais chiques que sejam, por mais finesse que emanem, não estão tão distantes assim de
quem passa diante de suas vitrines.
Já no Brasil, pego a ponte aérea num horário que, julgo, seja de pico: 20h. Só que a lotação do avião (cujas
virtudes tecnológicas são enaltecidas num patético vídeo de apresentação) não chega a 20%. Contraste violento com a rotina que enfrento na Califórnia, onde
moro, lugar em que seja qual for o horário, em qualquer
rota, a ocupação é de pelo menos 90%. No Brasil, voar
também é programa de bacanas.
Escrevo esta coluna vendo as ondas que quebram na
madrugada do mar de Ipanema. Jantei depois das 23h,
com um amigo que foi convidado menos de uma hora
antes. O dono do restaurante vem conversar só para fazer uma social, encontro conhecidos nas mesas vizinhas, uma amiga aparece, toda animada, vinda de outra
festa (é noite de quarta-feira). Muita gente ainda chega
quando saímos, em horário em que restaurante nenhum da Califórnia estaria aberto.
Não é possível, estou cada vez mais convencido, ter o
melhor de dois mundos. A vida é uma entidade cruel,
cheia de escolhas, boa sorte com elas.
Álvaro Pereira Júnior, 38, é jornalista e mora em San Francisco. E-mail: cby2k@uol.com.br
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