LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA

O velho cientista, com seus 70 anos, se ajoelha diante de poderosos autoritários para renegar coisas que ele mesmo descobriu sobre a natureza. Dá pra imaginar algo assim hoje? Digamos: um geneticista pedindo desculpas por ter descoberto a característica de um cromossoma?
Não dá para aceitar. Mesmo que o cientista de hoje seja desmentido pelo de amanhã, nós sabemos que é decisivo defender a liberdade intelectual. A opressão fere as mais básicas certezas construídas ao longo de séculos? No entanto, isso aconteceu com Galileu Galilei, matemático italiano que, no começo do século 17, foi interpelado pela Inquisição e obrigado a dizer que não acreditava naquilo em que acreditava. Ele mesmo havia descoberto os satélites de dois planetas do sistema solar -e, se até planetas eram centros dos movimentos de corpos celestes, era certo que a Terra não era o centro do mundo, contrariando o que diziam os católicos empedernidos (mas reformistas também), a partir de uma leitura linear da Bíblia.
Agora, para reforçar essa convicção antiobscurantista, dá para ler um competente livro, "A Cruz e a Luneta", de Carlos Ziller Camenietzki. Físico, filósofo e historiador que conta, em linguagem acessível, o confronto entre a ciência e a religião, naquele período impressionante que foi a transição entre a Idade Média e a Moderna.
São cinco capítulos de uma situação distante da experiência ocidental recente -a disputa entre o pensamento da ciência e da opinião e a posição ortodoxa de um grupo de poder, a Igreja católica. No centro do debate, a Bíblia, depósito de uma parcela grande da história humana.
Parece absurdo discutir esse tema em nossos dias? Então, dê uma olhada para o que tem acontecido no Oriente próximo, em que até estátuas multimilenares são dinamitadas a partir de interpretação rígida de outro texto, o Corão. Nunca é demais defender a liberdade de opinião e pensamento.