São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 2011

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Aqueles dias de glória

ANÁLISE A ALMA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL DO PASSADO ERA A AUSÊNCIA DE DINHEIRO OFICIAL

RICARDO MELO
DE SÃO PAULO

Para quem participou da reconstrução das entidades universitárias nos anos 70, é bem difícil falar de movimento estudantil atual. A grande dificuldade: onde está mesmo o movimento estudantil?
Uma mobilização contra tarifa de ônibus aqui, uma ocupação de reitoria ali, um protesto isolado acolá -não se vê muito mais que isso. O panorama é desolador.
Muitos creditam o marasmo ao momento histórico diferente. É fato que, nos anos 70, a chamada sociedade civil começava a se levantar contra a ditadura, e as universidades tornaram-se um centro de referência democrática. Partidos eram proibidos, sindicatos combativos estavam proscritos. O medo da cadeia pairava no ar.
Assembleias como as da USP serviam, então, de ponto de encontro não apenas de estudantes, mas de intelectuais, trabalhadores e oposicionistas em geral (e de um punhado de agentes infiltrados a serviço de órgãos de repressão, sugestivamente apelidados de "ratos").
Nestas reuniões discutia-se de tudo, desde questões relativas a ensino até estratégias de como derrubar a ditadura e instalar o socialismo no Brasil. No meio desse turbilhão, que envolveu milhares de jovens, uma a uma as entidades estudantis se reergueram. Primeiro os centros acadêmicos, depois os DCEs, UEES, até a reconstrução da UNE, em 1979, num congresso em Salvador.
O principal combustível desta efervescência era o caráter independente do movimento. Quem mandava nas entidades reconstruídas eram os próprios estudantes.
Pode parecer banal, mas aí estava a alma do negócio. Como quase ninguém ousava defender a aproximação com o regime militar, as organizações estudantis aprenderam a se virar sozinhas, não apenas contra, mas também longe dos governos.
Divergências internas sempre houve, e como. Mas as inúmeras correntes eram obrigadas a disputar democraticamente o apoio dos alunos, não apenas político, mas também material. Dinheiro oficial, nem pensar.
Agora não é assim. Num processo que vem de anos, as entidades começaram a sofrer o mal do aparelhamento. Em vez de responder apenas aos estudantes, viraram sobretudo base de operações de tendências políticas.
As instâncias de decisão se estreitaram, eleições diretas viraram indiretas e os mecanismos de deliberação fugiram das mãos da maioria. O ciclo se agravou quando o grupo que havia se apoderado da UNE se instalou no governo. Hoje a entidade, em vez de representar estudantes, representa interesses do governo entre os estudantes.
Vive de verbas oficiais, obedece a diretivas ministeriais e faz congressos só de fachada. Quase uma repartição pública, não é de estranhar que mobilize cada vez menos gente, embora os problemas na universidade só façam se multiplicar. Do jeito que está, é improvável que a UNE repita seus dias de glória.

RICARDO MELO foi presidente de centro acadêmico e diretor do DCE-USP e da UEE-SP nos anos 70 e 80


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