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free way
A gorbachevização de FHC
GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha
Com a crise econômica e a suposta ênfase no "suposto" descontrole da CPI dos Bancos, começam a pulular por aí teses de
que o governo do Kaiser estaria
em processo prematuro de sarneyzação. O fenômeno, que toma
seu nome emprestado do ilustre
político da ex-Arena, que foi o
presidente a reconduzir o país à
democracia (?) e depois tornou-se senador pelo Amapá sendo
maranhense (??!), descreve a perda de poder sofrida pelos governantes em final de mandato até a
sua mais absoluta desmoralização. Esta pode chegar ao ponto de
causar o tingimento do cabelo da
vítima e até à troca de concessões
de rádio e TV por um aninho a
mais no poder. (Qualquer semelhança com a realidade terá sido
mera coincidência.)
FHC estaria assim adentrando o
rumo da decadência ainda no primeiro ano de seu segundo mandato, e, se a degradação de valores
do sociólogo que virou presidente nos últimos cinco anos serve de
amostra do que virá, a coisa é
preocupante: não surpreenderá
se FHC trocar o Renan Calheiros
por um pirulito ou raspar a cabeça em troca de uma fotinho com a
Maitê Proença. Mas, aos que já estão se preocupando, devo acalmá-los. FHC não se contentaria
com epíteto tão mixuruca e está guiando
seu governo de forma a se encaixar nos
moldes de figura histórica do século. Nada de Sarney: entramos na gorbachevização.
Ninguém é vítima de percepções de diferenças tão extremadas quanto Mikhail Gorbachev.
Banqueiros e políticos do Ocidente, mais um punhado de mafiosos russos, consideram-no o
maior estadista russo do pós-guerra.
Para os russos, Gorbachev é um
patife. Aqui, Gorbachev ganha
loas, afagos e até o título de homem da década de 80. Na Rússia,
não consegue nem passar um general com cara de retardado nas
eleições presidenciais. Mas por
que a discrepância?
Porque Gorbachev pilotou a
transição da Rússia de uma economia estatal para o regime de
mercado, em que caiu de boca. O
processo desencadeado por Gorbachev acabou com monopólios
estatais, abriu a Rússia para os
mercados externos, permitiu a
entrada de companhias estrangeiras e aboliu o controle governamental de preços, entre outras
coisas.
Resumindo, foi-se o socialismo
e chegou o capitalismo. A meia
dúzia de capitalistas-mafiosos
que se adonaram da Rússia adoraram a mudança, e principalmente o Ocidente ficou feliz com
a transformação do "Império do
Mal" em parceiro comercial. Os
russos, contudo, se ferraram: a
transição foi tão irresponsável e
corrupta que concentrou o que
era antes do Estado nas mãos de
meia dúzia de gângsteres; a rede
de bem-estar social foi desmantelada, mas a riqueza capitalista,
que deveria chegar para substituí-la, não veio. O rublo quebrou,
o país declarou a moratória, e a
antiga superpotência está hoje limitada a frangalhos. Mas, no Ocidente, Gorbachev é rei, porque
abriu as portas da União Soviética
para investidores estrangeiros,
cortou o arsenal nuclear e instituiu a democracia. Palmas.
FHC vai pelo mesmo caminho.
Em recente passagem por aqui,
foi aplaudido por banqueiros e
era todo sorrisos. O Brasil, afinal,
também está implantando a cartilha do que é correto: privatizações, fim do protecionismo, orçamento equilibrado (isto é, diminuição de gastos sociais), inflação
baixa, juros altos, dólar flutuante
etc. Sob a batuta de FHC, o país
deixou de ser o Juquinha ranhento da classe e passou a ser o CDF
puxa-saco da professora. Enquanto os ocidentais festejam, os
brasileiros estão numa recessão
jamais vista, com desemprego recorde e déficit social aumentando.
Pra Gorbachevizar total, só falta
a FHC sofrer tentativa de golpe,
ser resgatado pelo político "liberal" e dele virar vítima, até ter de
ceder o poder. Na Rússia, foi Ieltsin. Aqui, seria ACM. Aiiiii. Volta,
Sarney.
Gustavo Ioschpe, 22, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política
na University of Pennsylvania, EUA,
e-mail: desembucha@cyberdude.com
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