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Rap e punk de São Paulo seguem os mesmos caminhos
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
Existe uma coisa em comum entre o punk
que explodiu em São Paulo nos anos 80 e o
rap que hoje domina a periferia da maior cidade do Brasil. A semelhança é a seguinte:
punk e rap paulistanos, surgidos a partir de
matrizes estrangeiras, acabaram se tornando
mais "radicais" e "legítimos" do que o original inglês (no caso do punk) e o original americano (no caso do rap).
Já escrevi sobre o fenômeno outras vezes.
Certas características de comportamento urbano surgem em cidades periféricas, como
São Paulo e outras do Terceiro Mundo, amplificando, e muito, os modelos de países ricos que elas copiam.
Por exemplo: o
pessoal superligado
em internet, em SP,
é provavelmente
muito mais obcecado pelo assunto do
que os jovens do vale
do Silício, meca
mundial da computação, na Califórnia. Assim como a turma "indie" do Brasil é muito
mais "indie" do que os "indies" ingleses.
Lembro-me de uma entrevista de Isabel
Monteiro, a brasileira vocalista da banda londrina Drugstore, em que ela dizia o quanto tinha ficado surpresa quando, já na Inglaterra,
percebeu que o punk original era uma invenção de filhinhos de papai/descolados/estudantes universitários de arte que acabou ganhando, fora de Londres, conotações político-sociais que o original jamais teve.
Quer dizer, enquanto, na periferia de tantas
cidades pobres, jovens punks arrumavam
confusões e até morriam pela "causa", em
Londres, onde o treco foi inventado, os bacanas que criaram a coisa viviam suas vidas luminosas e confortáveis.
O mesmo vale para o atual rap brasileiro.
Enquanto a matriz americana se transformou
há muito em "big business" controlado por
megacorporações, aqui no Brasil continua todo mundo com pose rebelde, "contra o sistema", venerando uma figura como Tupac Shakur (1971-1996), que, na verdade, só queria saber de champanhe francês, roupas caríssimas
de marca e tantas loiras quantas coubessem
em sua limusine.
Mas, para não dizerem que o que escrevo
mostra preconceito contra o povo da periferia, conto agora uma breve história, que envolve um célebre intelectual paulistano.
Certa vez, um escritor italiano veio a São
Paulo. Ele só pretendia dar uma ou outra palestra e depois encher a cara, conhecer praias e
se dar bem com alguma jovem estudante.
Mas o paulistano encarregado de recebê-lo
não deu trégua. Já no carro que foi buscar o
gringo no aeroporto o brasileiro começou seu
papo chatíssimo, em italiano horrível, querendo mostrar ao gringo que era ele, o intelectual brasileiro, e não o europeu, quem manjava de verdade de literatura italiana.
Ou seja, o brasileiro
queria ser mais italiano do que o italiano. A
angústia da afetação é
doença nacional.
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