São Paulo, segunda-feira, 19 de agosto de 2002

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Rap e punk de São Paulo seguem os mesmos caminhos

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Existe uma coisa em comum entre o punk que explodiu em São Paulo nos anos 80 e o rap que hoje domina a periferia da maior cidade do Brasil. A semelhança é a seguinte: punk e rap paulistanos, surgidos a partir de matrizes estrangeiras, acabaram se tornando mais "radicais" e "legítimos" do que o original inglês (no caso do punk) e o original americano (no caso do rap).
Já escrevi sobre o fenômeno outras vezes. Certas características de comportamento urbano surgem em cidades periféricas, como São Paulo e outras do Terceiro Mundo, amplificando, e muito, os modelos de países ricos que elas copiam.
Por exemplo: o pessoal superligado em internet, em SP, é provavelmente muito mais obcecado pelo assunto do que os jovens do vale do Silício, meca mundial da computação, na Califórnia. Assim como a turma "indie" do Brasil é muito mais "indie" do que os "indies" ingleses.
Lembro-me de uma entrevista de Isabel Monteiro, a brasileira vocalista da banda londrina Drugstore, em que ela dizia o quanto tinha ficado surpresa quando, já na Inglaterra, percebeu que o punk original era uma invenção de filhinhos de papai/descolados/estudantes universitários de arte que acabou ganhando, fora de Londres, conotações político-sociais que o original jamais teve.
Quer dizer, enquanto, na periferia de tantas cidades pobres, jovens punks arrumavam confusões e até morriam pela "causa", em Londres, onde o treco foi inventado, os bacanas que criaram a coisa viviam suas vidas luminosas e confortáveis.
O mesmo vale para o atual rap brasileiro. Enquanto a matriz americana se transformou há muito em "big business" controlado por megacorporações, aqui no Brasil continua todo mundo com pose rebelde, "contra o sistema", venerando uma figura como Tupac Shakur (1971-1996), que, na verdade, só queria saber de champanhe francês, roupas caríssimas de marca e tantas loiras quantas coubessem em sua limusine.
Mas, para não dizerem que o que escrevo mostra preconceito contra o povo da periferia, conto agora uma breve história, que envolve um célebre intelectual paulistano.
Certa vez, um escritor italiano veio a São Paulo. Ele só pretendia dar uma ou outra palestra e depois encher a cara, conhecer praias e se dar bem com alguma jovem estudante.
Mas o paulistano encarregado de recebê-lo não deu trégua. Já no carro que foi buscar o gringo no aeroporto o brasileiro começou seu papo chatíssimo, em italiano horrível, querendo mostrar ao gringo que era ele, o intelectual brasileiro, e não o europeu, quem manjava de verdade de literatura italiana.
Ou seja, o brasileiro queria ser mais italiano do que o italiano. A angústia da afetação é doença nacional.


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