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FOLHATEEN EXPLICA
Decisão "histórica" dos EUA e da Rússia terá efeitos bastante limitados
O acordo para redução do arsenal de armas nucleares
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Em 13 de maio, os EUA e a Rússia anunciaram que assinarão
um "histórico" tratado de redução de armas nucleares na próxima sexta-feira, durante uma cúpula entre os presidentes George
W. Bush e Vladimir Putin. Os
dois países concordaram em cortar seus arsenais de armas estratégicas em cerca de dois terços.
Não faltaram elogios ao acordo
por parte de Bush, que o classificou de algo que "tornará o mundo mais pacífico", e de Putin, que
declarou estar "contente com os
esforços conjuntos dos negociadores americanos e russos". Se,
de fato, no âmbito político, o tratado tem seus méritos, o mesmo
não pode ser dito de seu impacto
no campo geoestratégico, de
acordo com especialistas na área.
Politicamente, ele é importante
porque demonstra que as duas
superpotências da Guerra Fria
podem debater temas sensíveis e
chegar a um acordo. Também
serve para "mostrar" à comunidade internacional que ainda
existe uma certa paridade entre
elas embora, na prática, essa
igualdade seja fictícia. Além disso, o fato de que o novo tratado
será assinado em Moscou tem
valor simbólico para os russos.
No âmbito geoestratégico, porém, ele é quase um recuo. Afinal,
firmando o acordo, Moscou
aprova indiretamente o fim do
Tratado Antimísseis Balísticos
(TAB, 1972). Este era a base do
controle internacional de armas
até que Bush decidiu levar adiante o projeto de construir um escudo antimísseis e anunciou, em
dezembro último, que os EUA o
abandonariam em seis meses.
Os detalhes do novo acordo
não foram divulgados, mas já se
sabe que, até 2012, os dois lados
deverão ter entre 1.700 e 2.200
ogivas estratégicas (de longo alcance). Hoje Washington possui
6.000, e Moscou tem 5.500, segundo o Departamento de Estado dos EUA. Mesmo assim, do
ponto de vista geoestratégico, a
redução anunciada é pífia.
Primeiro, o anúncio é enganoso porque só leva em conta as armas estratégicas imediatamente
disponíveis. Ora, mesmo com todos os cortes previstos, os EUA
ainda manterão entre 6.000 e
8.000 armas nucleares suplementares -entre armamentos estratégicos que necessitam de algum
tempo para serem utilizados, armas não-estratégicas (de menor
alcance) ou peças estocadas. E a
Rússia manterá seu considerável
arsenal de menor alcance.
Além disso, apenas algumas
centenas de ogivas empregadas
simultaneamente já seriam suficientes para danificar a atmosfera
da Terra a ponto de torná-la quase inabitável. E, como o acordo
não exige que todas as armas desmontadas sejam destruídas, elas
poderão ser remontadas se houver "necessidade geopolítica".
É exatamente isso que queriam
os americanos. Após os atentados
de 11 de setembro último, a administração de Bush exige "flexibilidade" para enfrentar "ameaças
difusas". Assim, não quer inutilizar armas que, para ela, poderão
ser cruciais no futuro. Fica, portanto, a noção de que os EUA obtiveram o que desejavam em troca de aceitar a existência de um
tratado formal de redução de armas, uma exigência dos russos.
Estes devem ter obtido ganhos
indiretos, como participar de alguns fóruns de discussão e de tomada de decisão da Otan (aliança
militar ocidental), para aceitar o
acordo. Mas o corte já era necessário para a Rússia, que, devido a
problemas econômicos, não consegue mais pagar os custos de manutenção de enormes arsenais.
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