São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 2002

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FOLHATEEN EXPLICA

Decisão "histórica" dos EUA e da Rússia terá efeitos bastante limitados

O acordo para redução do arsenal de armas nucleares

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Em 13 de maio, os EUA e a Rússia anunciaram que assinarão um "histórico" tratado de redução de armas nucleares na próxima sexta-feira, durante uma cúpula entre os presidentes George W. Bush e Vladimir Putin. Os dois países concordaram em cortar seus arsenais de armas estratégicas em cerca de dois terços.
Não faltaram elogios ao acordo por parte de Bush, que o classificou de algo que "tornará o mundo mais pacífico", e de Putin, que declarou estar "contente com os esforços conjuntos dos negociadores americanos e russos". Se, de fato, no âmbito político, o tratado tem seus méritos, o mesmo não pode ser dito de seu impacto no campo geoestratégico, de acordo com especialistas na área.
Politicamente, ele é importante porque demonstra que as duas superpotências da Guerra Fria podem debater temas sensíveis e chegar a um acordo. Também serve para "mostrar" à comunidade internacional que ainda existe uma certa paridade entre elas embora, na prática, essa igualdade seja fictícia. Além disso, o fato de que o novo tratado será assinado em Moscou tem valor simbólico para os russos.
No âmbito geoestratégico, porém, ele é quase um recuo. Afinal, firmando o acordo, Moscou aprova indiretamente o fim do Tratado Antimísseis Balísticos (TAB, 1972). Este era a base do controle internacional de armas até que Bush decidiu levar adiante o projeto de construir um escudo antimísseis e anunciou, em dezembro último, que os EUA o abandonariam em seis meses.
Os detalhes do novo acordo não foram divulgados, mas já se sabe que, até 2012, os dois lados deverão ter entre 1.700 e 2.200 ogivas estratégicas (de longo alcance). Hoje Washington possui 6.000, e Moscou tem 5.500, segundo o Departamento de Estado dos EUA. Mesmo assim, do ponto de vista geoestratégico, a redução anunciada é pífia.
Primeiro, o anúncio é enganoso porque só leva em conta as armas estratégicas imediatamente disponíveis. Ora, mesmo com todos os cortes previstos, os EUA ainda manterão entre 6.000 e 8.000 armas nucleares suplementares -entre armamentos estratégicos que necessitam de algum tempo para serem utilizados, armas não-estratégicas (de menor alcance) ou peças estocadas. E a Rússia manterá seu considerável arsenal de menor alcance.
Além disso, apenas algumas centenas de ogivas empregadas simultaneamente já seriam suficientes para danificar a atmosfera da Terra a ponto de torná-la quase inabitável. E, como o acordo não exige que todas as armas desmontadas sejam destruídas, elas poderão ser remontadas se houver "necessidade geopolítica".
É exatamente isso que queriam os americanos. Após os atentados de 11 de setembro último, a administração de Bush exige "flexibilidade" para enfrentar "ameaças difusas". Assim, não quer inutilizar armas que, para ela, poderão ser cruciais no futuro. Fica, portanto, a noção de que os EUA obtiveram o que desejavam em troca de aceitar a existência de um tratado formal de redução de armas, uma exigência dos russos.
Estes devem ter obtido ganhos indiretos, como participar de alguns fóruns de discussão e de tomada de decisão da Otan (aliança militar ocidental), para aceitar o acordo. Mas o corte já era necessário para a Rússia, que, devido a problemas econômicos, não consegue mais pagar os custos de manutenção de enormes arsenais.


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