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CAPA
Escravas do sonho
Garotas que não entram para o seleto grupo
de top models transformam-se
em operárias
da beleza
João Wainer/Folha Imagem
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Alessandra Galo, 20, iniciou a carreira em um concurso da agência Elite e optou pelo mercado de feiras para conseguir pagar o aluguel |
FERNANDA MENA DA REPORTAGEM LOCAL
Seguir a carreira de modelo virou sinônimo de vida fácil desde que quem proferiu essa frase descobriu o
cachê de uma top model e nem raciocinou. Pense bem:
para ser modelo é preciso ter uma beleza de certa forma
marcante, o que já não é lá a coisa mais comum do
mundo nem depende da opinião de seus parentes. Depois, é necessário aprender a controlar apetite, acne, cabelos rebeldes e maneiras. Como se não bastasse, é essencial contar com a sorte durante toda a trajetória profissional e ter força de vontade o suficiente para encarar
uma legião de concorrentes, enfrentar olhares analíticos e receber muitos "não" na cara.
É por tudo isso que, entre as milhares de garotas que
sonham em seguir os passos das grandes modelos, poucas emplacam. A profissão de modelo é vista pelas meninas como a de jogador de futebol para os garotos, ou
seja, é uma forma de alcançar fama e ascensão social.
Só que a maioria não se encaixa na "primeira divisão"
e só encontra trabalho longe dos flashes e das passarelas, como recepcionistas de feiras e eventos.
Para se ter uma idéia da dificuldade de ingressar nesse
mercado, apenas 5% das meninas que procuram a
agência Elite -uma das mais importantes do país-
são chamadas para trabalhar lá. Na agência Marilyn,
outra das grandes, esse número é ainda mais cruel:
0,67% das meninas que batem à sua porta se torna parte
de seu "casting" (equipe de modelos), que hoje conta
com apenas 115 pessoas. Já a agência Gigi's Models
-que seleciona pessoal para eventos, catálogos de pequenas confecções e até shows de variedades- trabalha com 4.600 profissionais e acolhe cerca de 40% de
quem a procura atrás de trabalho na área.
Estar em uma agência de prestígio não quer dizer necessariamente que vá chover trabalho. Que o diga Alessandra Galo, 20. Descoberta em um concurso da Elite, a
modelo chegou a trabalhar por um ano na agência, mas
foi fazer recepção para conseguir pagar o aluguel. "É
mais fácil. Feira tem quase todo dia e eu não preciso ir a
vários testes para nem sempre pegar os trabalhos."
Ralação
Mas, para quem persegue o sonho, o empenho é constante nos cuidados com a aparência e nas investidas em
seleções para editoriais de moda, desfiles e propagandas. Cansaço é palavra riscada do dicionário.
"Enquanto outras pessoas pedem emprego duas ou
três vezes na vida, modelo pede umas dez, todos os dias.
Cada seleção é um pedido de emprego e, na maioria das
vezes, ela vai ouvir não como resposta", explica Luciana
Curtis, 24, a top model brasileira que acaba de assinar
contrato como novo rosto da Revlon, posto ocupado anteriormente pela supermodelo Cindy Crawford.
Book debaixo do braço, um modelito esperto, um
pouco de pintura no rosto e muita paciência, lá vão elas
para os testes, encarar horas e horas de espera, espremidas em cubículos, na incerteza de mais um trabalho.
Se rolar a tal recepção, pode botar aí umas cinco horas
passadas em pé, com sorriso permanente no rosto e tudo. Vanessa Conitre, 21, trabalha em feiras e eventos há
cinco anos. "É muita correria. São várias horas de pé e
meia hora para comer. Se perder o horário de almoço,
passa fome, e, se reclamar, é cortada do evento", desabafa. "Mesmo assim, as seleções ainda são a pior parte."
Com a agenda das meninas recheada de testes, abdicar
dos estudos se tornou prática comum. "Quando tiver 25
anos, ainda posso iniciar uma faculdade de odontologia,
que quero muito. Mas, com essa idade, já não posso
mais tentar ser modelo. Os estudos podem esperar", garante Natália Fernandes, 16. Ela já fez cirurgia de correção no nariz e enfrentou uma anorexia brava -que a
deixou com 43 kg distribuídos em 1,77 m- para se encaixar no perfil das beldades. "Estava disposta a tudo. Se
em um ano eu não estourar, ficarei muito frustrada."
Por enquanto, Natália faz pequenos trabalhos e recepções de eventos.
Já a modelo Sura Sepulveda, 19, hoje trabalha com recepção e está abrindo mão da carreira para perseguir
outro ideal: quer ser VJ. "Quando consegui ser modelo,
vi que não era bem o que eu queria", explica. "Não estou
decepcionada por não ter virado uma top. Desencanei.".
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