São Paulo, Segunda-feira, 21 de Junho de 1999
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CINEMA
A trilogia da burrice - parte 3

GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha

Usando de questionamento em voga nos círculos supostamente pensantes: teria a preguiça intelectual causa genética ou seria ela aprendida?; "nature or nurture"? Já que a evolução, por alguma razão, dotou-nos de cérebro de uma complexidade tremenda e que, ao longo da espécie, produzimos cérebros como o de um Newton, um Kant, um Descartes, um Einstein ou um Freud -pra não citar Itamar Franco, um mistério da natureza-, somos forçados a admitir que fomos dotados de capacidade pensante e que, se não a usamos mesmo a sabendo presente, será por motivo insondável, assim como o não-levantar da tampa da privada. Genético não é. Resta-nos o ambiente, até porque ser tão burro com toda essa massa encefálica requer horas de esforço, paciência e muita vontade. Quem seriam então os responsáveis por esse aprendizado?
Ora, os mesmos que ensinaram a você a permeabilidade seletiva da célula, ou a cor da manga do colete de Napoleão: os professores.
Nos primeiros anos de aprendizagem, tem-se a impressão de que os professores são seres sobrenaturais, dotados de sabedoria infinita e paciência idem. À medida que se cresce, vai-se notando que também os professores se dividem em curva gaussiana, como quase tudo na vida: uma grande massa de medíocres (isto é, medianos), cercados por uma minoria de estupidez total e outra de brilhantismo absoluto. E da grande massa de desqualificados, que não conseguem pensar eles mesmos, não se pode esperar que o ensinem a seus alunos.
Como não podem ensinar a pensar, ensinam a decorar fatos ou, no máximo, a entendê-los. Veja que ensinar fatos é quase inútil: com a infinidade de conhecimentos e a facilidade que hoje se tem de encontrá-los, ninguém deveria se preocupar em ensinar nada além de como discernir o essencial do desimportante, como encontrar o primeiro e o que fazer com ele. Sendo isso inalcançável, a instituição do ensino transforma-se em uma reunião de indisposições coletivas, em que o "mestre" vomita a síntese de seus livros, o aluno engole e trata de não esquecer, para, alguns meses mais tarde, vomitar tudo de volta, num saco pra enjôo chamado "prova".
Não seria assim tão mal se os professores pudessem reconhecer o pensamento original e recompensá-lo. Já que não ajudam, que não atrapalhem. Mas quem quer que já tenha ousado discordar de um professor -ou, pior ainda, questioná-lo em seu templo sagrado, a (rufar de tambores) sala de aula- sabe qual é o resultado: um redondo zero no primeiro caso e uma visita à coordenadora pedagógica por "problemas de comportamento" no segundo. E, ainda que a adolescência seja época de grande idealismo, não há rebeldia que aguente uma sucessão de zeros, pois o sistema impõe a necessidade de um diploma. E um diploma significa aprender que, quando um burro fala, os outros baixam as orelhas, em metáfora comumente utilizada por professores, quiçá por representar auto-imagem inconsciente, em fenômeno que dr. Freud já previra.
A escola torna-se, assim, mecanismo de controle social, onde à criança é ensinada desde cedo a adoção do comportamento dócil e servil, que lhe será fundamental no mundo adulto, quando tiver um patrão em vez de professor. Nada surpreendente, aliás, já que a própria escola foi criada para garantir a uns poucos o conhecimento que lhe permitiria manter uma ordem social hierarquizada. O sistema de educação massificado é fenômeno só pós-Revolução Industrial, quando à choldra foi permitido aprender um mínimo para que pelo menos operasse as máquinas do patrão direitinho. Desde o começo e até hoje, a escola -e seus arautos, os professores- foi instituição restritiva, e não disseminadora de conhecimentos, e mais assassinou a criatividade do que a incentivou.
Pouco surpreende que vários dos grandes gênios tenham tido problemas com a escola. Thomas Edison foi expulso da sua, aos 8 anos, por ser "curioso demais". Bendita curiosidade, já que o moço, alguns anos mais tarde, inventaria a lâmpada.


Gustavo Ioschpe, 22, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política na University of Pennsylvania, EUA, e-mail: desembucha@cyberdude.com


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