São Paulo, Segunda-feira, 21 de Junho de 1999
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Jovem argentino leu para Borges dos 18 aos 25 anos

da Reportagem Local

Aos 17 anos, o que o argentino Gregorio Santiago Montes mais queria na vida era um cavalo para praticar equitação. Conseguiu o cavalo, 1 milhão na conta e sete anos de convivência íntima com o escritor Jorge Luis Borges.
"Meu pai não quis me dar, os amigos dele não me deram emprego, então eu me inscrevi para um programa de perguntas e respostas da TV, que dava até 1 milhão de pesos de prêmio para comprar o cavalo", conta Montes.
O programa, "Odol Pregunta", era um dos mais populares da televisão argentina. Montes era de uma família aristocrata de Buenos Aires, estudava numa escola inglesa humanista, e Borges acabara de ser indicado pela primeira vez ao prêmio Nobel, em 1968, o que causou o maior rebuliço no país.
Montes se inscreveu para responder sobre o escritor, ficou duas temporadas no programa e ganhou o prêmio máximo, "grosseiramente, cerca de R$ 1 milhão hoje". Mas isso não foi nada. Ele conheceu Borges e acabou participando de um seminário de literatura inglesa que acontecia aos domingos na casa do escritor, na condição de "leitor" convidado.
"Ele era acessível, atendia o telefone, crianças que ligavam para pedir ajuda com a redação para a escola", diz Montes, que muitas vezes procurou livros do escritor para dar às pessoas que o visitavam em casa e nunca encontrou.
"Quando perguntei a razão disso, ele me disse (humilde), que sabia de si próprio o suficiente para não ficar com Shakespeare e Schopenhauer na estante."
E mais: Borges dizia que sentia prazer em escrever, não o fazia pelo produto final. "E mandava publicar só para parar de rascunhar, mexer nos textos", diz Montes. Ele afirmava que se, de toda sua obra, ficasse um verso cadenciado de palavras, estava satisfeito, mas mesmo assim não se sentia um autor.
Mesmo sendo sucesso nacional ainda moleque na TV argentina, Montes disse que não estudou os livros de Borges. "Sou um leitor hedonista, eu gostava do estilo dele, "não literário", no sentido de ser claro, preciso, curto, e das histórias fantásticas, cheias de imaginação."
Além disso, seus textos tratam de problemas universais, como o amor, a morte, a dor do amor, "e os jovens gostam disso, ler e conviver com Borges naquela idade foi uma experiência fortalecedora para mim", diz Montes, que hoje é professor de patologia na Faculdade de Medicina da USP. (FG)


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