São Paulo, segunda-feira, 22 de janeiro de 2001

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Mundo melhor é mundo sem Carlinhos Brown

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

"O patriotismo é uma forma perniciosa e psicopática de cretinice", George Bernard Shaw

São Paulo, Teatro da Universidade Católica, 1968. Uma platéia dominada pela juventude nacional-stalinista, conservadora como só ela, massacra Caetano Veloso porque, em "É Proibido Proibir", ele usa guitarras elétricas (imperialismo ianque!) e rebola, em vez de protestar contra o governo. É uma vaia poderosa, mas Caetano, então um nome de vanguarda, revida: "É essa a juventude que diz que quer tomar o poder?".
Rio de Janeiro, Rock in Rio, 2001. Um protegido de Caetano Veloso, Carlinhos Brown, é brutalmente rejeitado por 150 mil pessoas. Alvo de uma chuva de garrafas e de vaia avassaladora, defende-se com argumentos opostos aos de seu mestre em 68. Se Caetano era o visionário em busca de novas linguagens para a MPB, Carlinhos é hoje o nacionalista acuado. Ainda no palco, cantarola o hino do Brasil, reclama de bandas "que vêm impostas de fora". Não chega ao fim do show.
Eu poderia escrever páginas e páginas comparando esses dois eventos, mas prefiro transcrever o e-mail do leitor Fernando Silva Nogueira (São Paulo, SP): "Esses artistas "intelectualizados" da MPB vivem num universo paralelo, contemplando a própria decomposição. Quando colocam o pé na realidade, da maneira mais leve que seja, acontece, e sempre acontecerá, uma chuva de garrafas".
É isso. Mais do que uma suposta selvageria dos metaleiros, ou preconceito de cariocas bem-nascidos contra o negro baiano Carlinhos Brown, o massacre das garrafas mostrou o quanto o establishment caetânico da MPB se encastelou, 33 anos depois.
Se Carlinhos Brown tivesse alguma vez ido a um show de rock, saberia que heavy metal, no Brasil, é coisa de povão, não de "juventude criada a Toddy".
Carlinhos fez papel de um suposto patriota "da paz", hostilizado por 150 mil brutamontes americanófilos. Mas foi o contrário. No conflito da água mineral, o representante da elite atrasada, a macumba para turista, era Carlinhos Brown, não a platéia.
Seus discos vendem mal, sua turnês não são um sucesso. Só as obscuras peculiaridades da indústria cultural brasileira explicam que tenha chegado ao palco principal do Rock in Rio.
Como pessoa, não tenho dúvidas de que Carlinhos é caridoso, bom pai, honesto e trabalhador. Mas, artisticamente, mesmo que não saiba, representa as panelinhas mais nefandas de nossa cultura.
A realidade bateu à porta no Rock in Rio. Tomara que a MPB entenda o recado.


Álvaro Pereira Júnior, 37, é jornalista e mora em San Francisco. E-mail: cby2k@uol.com.br


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